Arlindo Gomes
Dados pessoais, infância, escolaridade
O meu nome é Arlindo Gomes, e nasci a 22 de Junho de 1928, em Celorico de Bastos.
Vim muito miúdo para o Porto, com apenas 3 anos. O meu pai era comerciante. Aos 18
anos já era estabelecido, num "temtudo" pequenino na vila. Perdeu tudo com a crise de
1929. Entrava com 30 negócios, acabava por não ter controlo, e depois era roubado. Teve
de procurar outro rumo na vida e veio para a cidade. Depois da crise, o meu pai passou a
viajante. A minha mãe era doméstica. Era de famílias que estavam no Brasil, e as
raparigas estavam aqui, para ser casadas com quarentões de dinheiro. Mas a minha mãe
não quis, preferiu um rapaz novo. Eram meninas prendadas, falavam francês, tocavam
piano, bordavam e eram domésticas, iam aprender com a senhora mais evoluída da terra.
Aquilo era uma zona de barões falidos. Aquelas casas abrasonadas eram todas de
brasileiros, na altura.
Éramos 4 irmãos mas dois morreram com a pneumónica. Agora só estou eu e a minha
irmã mais velha. Eu sou solteiro e ela também, e a família acabou.
Tive sempre uma vivência com o pessoal do reviralho. O meu falecido pai era
republicano. Era um admirador do António Luís Gomes e do Rui Luís Gomes, que
também eram republicanos.
Fiz a escola primária e depois continuei a estudar num curso comercial, porque não havia
dinheiro para mais. Entretanto morreu a minha mãe.
Andei a estudar no Mouzinho e na Escola Académica. Não cheguei a acabar o curso
comercial, mas terminei um curso do Sindicato dos Empregados de Escritório e fui logo
trabalhar.
Entrei na Mocidade Portuguesa com 12, 13 anos, por intermédio da escola. Andava
entusiasmado para ir ao Acampamento do Alfeite, e andou o meu pai a comprar a farda
às prestações ao Zé Diogo, que tinha o monopólio das fardas. Era a Marinha que
montava o acampamento todo, não faltava nada. Depois aborreci-me com a Mocidade
porque aquilo era só marcar passo, esquerdo, direito, esquerdo, direito, e então fui para a
Milícia, também dentro da Mocidade, para fugir à rotina. Aquilo era só o manejo de armas
e pouco mais, e eu queria-me entreter.
Actividade Profissional
Tive o meu primeiro emprego aos 16 anos, e era muito mau. Era um emprego pequeno,
ganhava uns 300 escudos por mês. A renda de casa era 400 ou 500 escudos por mês,
que era dividida entre mim, o meu pai, e um tio que vivia connosco.
Eu trabalhava como manga de alpaca, no escritório de uma empresa de lanifícios, na Rua Formosa,
que já não existe.
Na altura própria fui para a tropa, durante um ano. Estive em Infantaria 6 e depois fui à
instrução, fui para Amanuense no Batalhão de Mobilização, porque tinha quase o curso
comercial.
Depois estive para ir para África trabalhar, à procura de uma situação melhor. Mas era
muito difícil, era necessária muita papelada, e acabei por ficar.
Fui trabalhar para a Fábrica dos Produtos Estrela, mas lá era muito mau, pagavam muito
mal e os operários só trabalhavam 3 dias. O meu ordenado era pouco mais de 800$00. E
o empregado de escritório era cristalizado, não havia subidas, era os aumentos que eles
quisessem dar. Pelo Natal davam-nos um bolo-rei e uma garrafa de Vinho do Porto e não
havia mais nada. As férias eram de 3 dias, para ter 8 dias era preciso trabalhar muitos
anos. Já tínhamos horário à inglesa, ao sábado à tarde não se trabalhava. Mas, na altura
do balanço já se trabalhava as horas que fossem necessárias, e não havia pagamento de
horas extraordinárias. As contas eram feitas numa máquina, o brusviga, uma espécie de
máquina de calcular, que agora já nem sei trabalhar com aquilo. Facturas enormes, tudo
feito à mão. No escritório a gente fazia de tudo, pagava, fazia mapas de férias, fazíamos
as contas um bocado aldrabadas para a Previdência... O patrão mandava e tinha de ser
feito.
Mais tarde a situação do meu pai mudou. Ele viajava de comboio, mas começaram a
aparecer os viajantes de carro, e ele já tinha uma certa idade e não tinha capacidade nem
temperamento para tirar a carta. Então passei também para viajante à comissão, aos 25
anos, com o meu pai. Comprámos uma furgoneta. Ele trabalhava com fazendas brancas,
que hoje já não há, na região de Trás-os-Montes, Douro e Alto Minho. Eu trabalhava com
lanifícios e outros ganchos, que eram acessórios do produto principal que vendíamos à
parte, para arranjar mais algum dinheiro. A minha zona era Minho, Douro e Trás-os-Montes.
Depois da II Guerra assisti a coisas incríveis: salários de miséria, tudo era miséria... E a
malta fugia! Havia firmas de engajamento para o Brasil. Como para África era muito difícil,
era engajamentos de emigração para o Brasil. Iam de qualquer maneira, vendiam tudo, e
depois ficavam sem nada. Eram burlados, e ficavam sem nada...
Na crise de 1945 era muito difícil vender fazenda. As dificuldades eram muitas, vivemos à
rasca, com muita disciplina.
Entretanto eu e o meu pai deixámos de fazer a zona de Minho, Douro e Trás-os-Montes,
porque estávamos a perder dinheiro, e passámos a trabalhar só dentro da cidade.
A minha carrinha era uma Ford, custou-me na altura 15 contos. A gente ganhava umas
coroas, mas quando aquilo avariava lá iam as poupanças... Depois a coisa não deu e eu
voltei a trabalhar como empregado de escritório, aos 32 anos, nas "Representações
Anglo-Americanas", do pai do Sérgio Godinho. Foi o meu terceiro emprego e o melhor.
Não me lembro de quanto ganhava mas sei que era um bom ordenado para a altura.
Depois a empresa foi apanhada na crise dos anos 60 e fechou.
E fui para viagem, novamente, aos 35 anos, foi quando a minha situação começou a
melhorar. Aí já trabalhava por conta própria, e houve uma certa retoma do mercado,
dentro da cidade. Era vendedor de carteiras e malas de viagem mas cheguei a vender de
tudo. Trabalhava para várias empresas, mas sempre dentro deste esquema. Fazia a
amostragem de carro, não levava a mercadoria, vendia, informava o fornecedor e
ganhava uma comissão. Trabalhei com boas marcas como, por exemplo, malas Tauro, e
fui fazendo amizades e ganhando nome. Um bom vendedor tinha de se apresentar bem
vestido, de gravata e tal, e tinha de ter calma, porque aparece de tudo, desde o indivíduo
culto, ao tipo normal, e ao gajo boçal.
Descontei sempre, voluntariamente, para a Previdência. Quando veio o 25 de Abril deu-se
a definição do que era um agente comercial, e a Previdência deu um salto qualitativo.
Hoje ainda trabalho com representações antigas, pequenas que têm problemas, por
causa da globalização. São pequenos fabricantes que não têm hipótese de se safar.
Como o vendedor não tem horas, quando chego a casa tenho de preparar o serviço, fazer
encomendas, planificar... Faço amostragem por fotografias, com o meu carro, e tenho
uma casa onde exponho os produtos, na Rua Formosa.
Actividade Social e Política
Lembro-me perfeitamente de quando acabou a II Guerra. Ainda andava a estudar, e fui a
uma manifestação que foi uma coisa incrível. A polícia cortou os transportes todos mas a
malta foi a pé para a concentração. Quando cheguei lá já havia porrada.
As manifestações e comícios eram todos assim: havia polícia à esquerda e á direita,
chegava a polícia e terminava tudo à cacetada.
Também me lembro de quando caiu Paris, em 1940, que fomo-nos manifestar para a
Cordoaria, que era ali o Consulado Francês. Isto foram os estudantes que fizeram.
Quando ainda trabalhava nos Produtos Estrela alguns fizeram uma greve pelo direito de
recebermos o ordenado ao mês e não à semana, porque sempre era uma garantia de não
ser despedido e ficar só com o dinheiro da semana. Ainda fizemos força, mas tivemos que
acabar por ceder.
Lembro-me de algumas greves de pescadores e mineiros de S.Pedro da cova. Nós
passávamos por lá para lhes dar comida, clandestinamente. Sabíamos que era preciso,
que precisavam de ajuda, e lá íamos. Havia lá montagem de polícia, para proteger os que
não faziam greve e iam trabalhar.
Com a PIDE nunca cheguei a ter problemas sérios mas fui lá chamado, e penso que terá
sido um aviso. A malta do reviralho costumava reunir numa casa comercial e discutíamos
de tudo, e berrávamos, barafustávamos, ouvia-se a léguas. Nessa altura trabalhava nos
Produtos Estrela e recebi uma contrafé para a aparecer na PIDE. Perguntaram-me se eu
tinha pedido uma licença para porte de arma, eu disse que não, devia ser engano.
Pediram-me desculpa e vim embora. Soube então que eles andavam a investigar nessa
casa comercial o que se falava por lá, e acho que me chamaram para meter medo.
Depois é que eu vim a saber que um tipo que era funcionário de uma padaria ali perto era
bufo.
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