Libertário Pinto
Dados pessoais, infância, escolaridade
Sou Libertário Pinto, nasci em 7 de Outubro de 1944, sou natural de Timor. O meu pai chamava-se Amândio Pinto,
foi deportado para Timor na Ditadura, por estar ligado ao movimento anarco-sindicalista.
A minha mãe chamava-se Adelaide, era natural de Timor; nunca a conheci, a não ser através de fotografias.
Regressei a Portugal com 13 meses, após terminados os 14 anos de deportação a que o meu pai esteve sujeito. Fiquei sediado, até 1971,
em Lordelo do Ouro, e depois, a partir daí, fui viver para cima da Areosa, no lugar do Forno, onde ainda resido actualmente.
O meu pai tinha um comportamento um bocado repressivo e eu fui sempre um bocado rebelde. Aos 5, 6 anos, o meu pai meteu-me na forja a virar malho, a trabalhar, a ir de Lordelo
a Miragaia buscar carvão para a forja. Ia a pé buscar 5 quilos de carvão; a pé para lá e para cá. Fiz o primeiro ano do ciclo preparatório.
Casei-me em 1968, pelo civil, o que foi um grande problema na terra da minha mulher; o pai dela nem a queria deixar casar.
Actividade Profissional
Comecei a trabalhar aos 13 anos, no sector metalúrgico, numa empresa, a Fundição do Campo Alegre, de onde fui despedido aos 17,
porque ia jogar bola e induzia os outros a chegarmos sempre mais tarde. Comecei como rapaz dos oficiais, a ajudar à forja, a aquecer as marmitas e depois fui para aplainador mecânico.
A fundição tinha cerca de 30 trabalhadores e estava mais direccionada para a reparação de máquinas de tipografia e litografia
e fazia-se umas máquinas de recauchutagem de pneus e pouco mais.
Dali passei para o Jacinto Ramos e Irmão, trabalhei ali até casar, e depois passei para o Eduardo Ferreirinha e Irmão, que era uma das grandes empresas do sector metalúrgico do Porto.
As condições de trabalho são aquelas que nós sabemos, nem havia vestiários para a gente tomar banho, nem refeitórios, excepto na Eduardo Ferreirinha.
A remuneração era baixa, eu comecei a ganhar seis escudos e oitenta por dia. Tínhamos uma semana de férias, não havia qualquer subsídio, o patrão dava-nos uma garrafinha de Vinho do Porto todos os anos, no Natal,
que era a consoada e os chamados envelopes.
Nos tempos livres tínhamos os grupos da zona. Jogava-se muito às cartas e daí comecei a ficar envolvido no jogo, a chamada batota, mas não era jogo de dinheiro, porque a gente não tinha.
Actividade Associativa
A partir dos anos 1980 ligo-me ao Movimento dos Deficientes.
Faço parte da Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes.
É um trabalho interessante, é que há situações em que só com o decorrer do tempo é que nós vamos sabendo o que são as populações,
o conhecimento das suas deficiências, as suas carências, os seus problemas, a falta de medicação, a falta de apoio às famílias, o enclausuramento de milhares de deficientes neste país, a instabilidade no trabalho.
Actividade Social e Política
Aos dezassete anos foi a primeira participação que eu tive numa manifestação, na chamada crise estudantil de 1962. Havia uns papéis à porta da fábrica, da empresa, li,
e como tive sempre um bocado de curiosidade das coisas fui até aos Leões para ver. Nas eleições de 1969 fui aos Clérigos, havia lá uma sede do MDP,
se não estou em erro, e encontrei duas pessoas que estiveram ali a conversar comigo e eu totalmente à margem dessas questões, e disseram-me para eu aparecer. Mais tarde, um outro deu-me a ler o livro "A Mãe", que me despertou um bocado o gosto pela leitura. Quando fui trabalhar para a Eduardo Ferreirinha fazia parte da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, que servia para envolver as pessoas,
para dar a conhecer que havia presos políticos. No Movimento da Juventude Trabalhadora
fizemos algumas iniciativas em Pedrouços, através da JOC, debates sobre a Guerra Colonial, sobre a sexualidade e desenvolveram-se também muitos encontros e iniciativas desportivas.
A minha actividade também está ligada ao movimento sindical, fiz parte de uma Comissão de Metalúrgicos, onde ganhamos as eleições em 1970 e não nos foi dado posse. Eu fazia parte de uma
Comissão de Trabalhadores da Cidade do Porto. Havia algumas paragens simbólicas que tinham um significado muito importante, posso dizer que uma altura no Eduardo Ferreirinha
fizemos algumas paralisações no sector da pesagem, no sector de máquinas de furar, houve pequenos focos de protesto contra as condições de trabalho, por melhores condições de vida. Houve movimentações nas Fábricas Leão,
na Oliveira e Ferreirinha, na Alumínia. Na Comissão de Trabalhadores do Porto havia vários sectores profissionais, metalúrgicos, têxteis, serviços.
As reuniões eram praticamente semi-clandestinas.
Em 15 de Abril de 1972, houve uma manifestação contra a carestia de vida, que foi um êxito, juntou milhares de pessoas na Baixa, e exigia-se, salvo erro o salário mínimo.
Participei em muitas acções de propaganda. Faziam-se pichagens, com nitrato de prata, porque mesmo pintando as paredes, voltava sempre. A minha obrigação era distribuir os papéis. Metia-se agitação nos canos de escape
dos automóveis para quando eles começassem a ligar a ignição,
fazerem a distribuição. Fazíamos uns petardos, que eram umas caixinhas com um cartão grosso em baixo, tinham uma mechazinha e um petardo para aí com 8, 6 centímetros e tinham em cima um cartão que protegia os papéis que iam ser lançados; por cima tinha um papel muito fininho,
de forma que quando rebentasse os papéis eram atirados. Metia-me nos tróleis de dois andares e em qualquer sítio lançava aquilo para a rua, lançava e vinha rapidamente para baixo.
Em 1973, a PIDE vai a minha casa. Pediram-me a identificação e perguntaram-me pelo Barbosa, eu perguntei-lhes quem eram, e eles disseram que eram da Direcção Geral de Segurança,
mas nos ficheiros eu ainda não devia constar com tanta veemência,
ou eles quiseram talvez apalpar o terreno. Sei que fiquei toda a manhã a pensar como é que não fui preso, como é que o gajo não lhe deu a curiosidade de pegar naquele embrulho que eu levava e que ia cheio de propaganda. Uma experiência interessante é no Flor de Pedrouços, em que ganhamos as eleições, e na tomada de posse apagaram as luzes e falsificaram actas, e a gente nunca tomou posse. No 25 de Abril estava a dormir em casa de um amigo, porque eles vinham sempre uma semana antes do 1º de Maio fazer uma pesquisa e prender pessoas, jovens principalmente.
Quando a mulher dele me disse saí logo cá para fora, fui para a Baixa a correr.
Foi um processo contagiante, nem se consegue exprimir por palavras o que foi a queda do Fascismo. Já depois do 25 de Abril houve a manifestação do 1º de Maio e do 11 de Março na Baixa,
e é mesmo nessa altura que se dá um processo no meu estado de saúde, quando eu começo a sentir, a ver mal do olho esquerdo. Vou para a urgência, entrei em hemodiálise quase 20 anos, fui transplantado vai fazer oito,
quer dizer a minha actividade fica cortada, mas nunca deixei de participar nas reuniões.
|