Maria Gonçalves Ferreira
Dados pessoais, infância, escolaridade
O meu nome é Maria Gonçalves Ferreira. Nasci em 21 de Maio de 1955. O meu pai e a
minha mãe nasceram em Fânzeres, Gondomar.
O meu pai foi marceneiro, e a minha mãe tecedeira. O meu pai não sabia ler nem
escrever, só sabia assinar o nome dele, e a minha mãe tinha a 4ª classe. O meu pai
trabalhou por conta de outrem até à altura em que construiu a nossa casa, depois
começou a trabalhar em casa, a fazer móveis. Depois ficou doente, tuberculoso, o que
nos marcou muito a todos. Curou-se quando fecharam os sanatórios em Portugal, estava
eu a deixar a 4ª classe.
Nós passamos fome, de carne como hoje a gente come. Não tem comparação. A minha
avó ia buscar os miúdos dos animais para fazer às vezes uma massinha. Comíamos fruta
ao domingo.
Um dia a minha professora da primária chamou a minha mãe para lhe dizer que era uma
pena que eu não continuasse a estudar, porque era uma aluna com bons resultados. A
minha mãe disse-lhe que não podia, que éramos quatro crianças em casa e com o meu
pai doente. A professora disse que me apoiava para eu fazer o exame de admissão e eu
fui estudar para a Escola Secundária de Gondomar. Mas, a minha mãe não conseguia
aguentar sequer os transportes. Recorreu na altura a instituições, à Igreja. Então, fui para
o Lar de Nossa Senhora das Candeias, mas trabalhava lá muito. Com dez anos e meio
levantava-me às sete, sete e meia da manhã, porque eu ia para a escola mas tinha que
fazer tarefas no colégio, que não eram feitas pelas meninas ricas que pagavam a
mensalidade na totalidade. No fim do ano os meus pais receberam uma cartinha a dizer
que nós não éramos das famílias com mais problemas, portanto eu não podia continuar
no segundo ano.
Fui então para o Colégio Rodrigo Semide, aos 11 anos. Mas, com um contrato assim: eu
ganhava trezentos escudos por mês, trabalhava das sete até à meia-noite, com onze
anos, no colégio, fazia cozinha, limpava as camaratas, limpava as salas de aulas do ATL,
porque eu era uma adolescente já com muito físico. O contrato foi feito para eu ter aulas,
continuar o segundo ano. Só que ao fim de seis meses eu não tinha ido a uma única aula.
Tinha uma freira que era a nossa responsável, e que também tinha critérios diferentes,
para mim e para a outra menina. Quando a outra menina entendia que não devia fazer
determinadas tarefas dizia que estava doente, e a Maria tinha que fazer as dela e as da
outra menina, coisa que nunca acontecia ao contrário. Então, eu um dia disse à freira "Eu
não vou fazer, eu não vou limpar o que me está a dizer, madre", e ela disse "Usted vai,
ou se vai embora", eu desapertei logo o avental e disse "Eu me vou embora", e vim para
casa.
Actividade Profissional
Depois, fui à procura de emprego. Nessa altura eu já estava quase com treze anos. Havia
uma grande empresa em Rio Tinto que se chamava Mondex, Ritex, e depois mais tarde
Calcex; umas vizinhas minhas trabalhavam na Mondex, e é para onde eu vou. Na
Mondex, entrei para o corte, onde se cortam as camisas, depois passei para um
departamento onde se faziam as amostras, que estava ligado ao sector comercial. Depois
passei a fazer um trabalho técnico de cálculo de matérias primas, e depois, numa outra
fase, na reestruturação da empresa, passei para a modelação, para escalar moldes. É
nessa função que eu estou quando a empresa fechou, porque a empresa fechou em
1986.
Fui trabalhar para Braga. Mas em 1987/1988 tenho um problema de saúde, uma hérnia discal.
Tive que ser operada, e os médicos disseram-me que eu que não podia fazer 3 horas de
viagem para Braga, tinha que evitar isso.
Procurei emprego pelo jornal, e então acabei por vir trabalhar para uma empresa de
confecção, que é o António M. Rua. Estive lá até ter o meu segundo filho. E depois passei
por uma multinacional alemã, na Maia. Depois dessa multinacional passei para uma
empresa portuguesa, em que estou a trabalhar actualmente, que é a Narciso e Machado,
a Vogan, em Castêlo da Maia, que está, neste momento, num processo de redução de
pessoal. Mas eu, felizmente, tenho emprego.
Actividade Sindical
Quando comecei a trabalhar na fábrica, comecei a despertar uma certa consciência, eu
acho que se pode chamar política e social. Entrei para a JOC, para a Juventude Operária
Católica. Para ir a uma reunião da JOC, ou para ir a um encontro da JOC, eu tinha que
convencer os meus pais, de que eu não ia fazer nada de mal, que não me ia acontecer
nada de mal. Nós, naquela altura, discutíamos a situação que tínhamos na empresa, as
condições de trabalho que tínhamos, os direitos que tínhamos e que não tínhamos, sem
uma componente política muito definida. Nós não tínhamos essa consciência, nós
tínhamos uma consciência social e política ao nível do que nós nos enquadrávamos
como jovens. Antes do 25 de Abril, o grupo da JOC de Fânzeres foi expulso da Igreja,
porque nós fazíamos "reuniões de carácter político", foi assim que o padre disse. Antes do 25 de Abril estive no Centro de Cultura Operária a fazer o primeiro e o segundo
ano do ciclo preparatório. Trabalhava e estudava em simultâneo, e ainda tinha tempo
para a JOC e para os namoros. No 25 de Abril foi toda a gente normalmente trabalhar, mas comentávamos o que tinha
havido, que estava a desenrolar-se uma revolução. Depois, quando soubemos o cariz,
quanto tudo se desenrolou da maneira como se desenrolou, ficamos muito felizes,
ficamos contentes.
Quando se deu o 25 de Abril eu fiz o ciclo com muito bom aproveitamento, apesar de ter
sido à noite, com 14 valores que é assim uma nota muito boa. E, lembro-me
perfeitamente, de em 1975, quando tinha possibilidades de continuar a fazer o 3º ano, me
convidarem para o Sindicato do Vestuário do Porto, e eu tive que fazer uma opção. Eu
nem hesitei. Naquela altura nem hesitei. Hoje tinha feito as duas coisas, isto é, tinha
continuado a estudar e tinha ido para o sindicato. Naquela altura tinha 19 anos, a
revolução estava na rua, e em nós todos, e na nossa alma, no nosso coração, e não fui
capaz de ver o quanto isso me ia fazer diferente, porque me preparava, dava-me meios
para a vida com mais condições. Fiquei no sindicato 10 anos.
Depois do 25 de Abril constituiu-se uma Comissão de Moradores na Rua da Igreja, que
ocupou a casa dos Padres Rebimbas, que estava abandonada. Fez uma biblioteca, fez
um ATL para miúdos, fez um posto de saúde, era um local onde as pessoas se
encontravam à noite, para reunir, para falar dos problemas do lugar. Um belo dia, o
senhor Padre Rebimbas, numa missa onde estava a minha avó, convidou a população
que estava na missa a ir queimar a casa.
Actividade Social e Política
O meu segundo marido foi militante político da esquerda, da chamada esquerda
revolucionária. Eu fui militante da BASE/FUT, que era um movimento de trabalhadores
ligados aos movimentos cristãos. Depois do 25 de Novembro, eu achava que isto não ia
lá com pézinhos de lã, e achava que devia ir para um partido que fizesse frente às coisas,
e vou para o PRP/BR.
O meu primeiro marido era também desta área. Ele foi militante trotskista, da LCI, e
depois também do PRP. Depois ele vem a morrer rapidamente: o cancro foi detectado
nas férias de 1979, e ele morreu em Abril de 1981. Aquilo foi um processo muito rápido, durou
15 meses depois de ter sido operado. O PRP foi perseguido e os seus dirigentes e
militantes foram presos, e acabou.
Criou-se a OUT, com a candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho, e eu fiz parte desse
movimento. Depois aderi à FUP. Depois é a FUP perseguida, os dirigentes são presos,
no processo da FUP - FP 25. O meu segundo marido foi preso no processo das FP 25.
Vivi 5 anos enquanto ele esteve detido entre Custóias e Lisboa, neste processo.
Fiz parte de uma comissão de solidariedade com os presos políticos, participei em vários
movimentos, por melhores condições nas cadeias, por condições não só de visitas como
de estudo, acesso dos presos a determinados direitos consagrados na lei que as cadeias
não proporcionavam. Quando eles saem todos, com 5 anos já de prisão, é que eu vou
viver para Leiria, porque o meu segundo marido é de lá e é aí que nasce o meu segundo
filho.
Como não conseguimos organizar a vida, e como eu tinha aqui muito mais possibilidades
a nível profissional, e muito mais apoio, voltamos para aqui.
Actualmente estou ligada ao Centro Social de Soutelo, que é uma obra muito
interessante.
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