Fernando Rodrigo Oliveira Pino
Dados pessoais, infância, escolaridade
Eu chamo-me Fernando Rodrigo Oliveira Pino, sou natural de Sendim,
pertence a Miranda do Douro. O meu pai chama-se António Augusto Pino, é
natural também de Sendim, foi funcionário judicial; a minha mãe, Lídia Albertina de Oliveira,
nasceu em Lisboa. Portanto, o facto de o meu pai ser
funcionário judicial originou que eu tivesse circulado pelo nosso país, em
várias localidades, nomeadamente Pombal, Peso da Régua, finalmente Vila do Conde.
Portanto, digamos, a minha vida passa-se, praticamente, em Vila do Conde
e, posteriormente, na cidade do Porto. Isto, há dezenas de anos.
Fiz a escola primária em Pombal, numa localidade onde estive, penso que
até aos 6/7 anos. A sala da aula primária, normalmente, tinha uma
lareira/fogão de sala, uma carteira por cada aluno, a professora de vara na
mão, com um quadro preto à frente... Mais ou menos, esta é a imagem que
eu tenho. Nós éramos obrigados, portanto a decorar todos os rios, todas as
serras, todos os Caminhos-de-Ferro, não sei que mais... Depois, em Peso da Régua,
cerca dos 10/11 anos, depois em Vila do Conde já apanhei a fase do
liceu, ainda me lembro de haver turmas e recreios separados para rapazes e
raparigas, aquela fase da brilhantina, das calças apertadinhas, à boca de
sino, com os cabelos grandes, depois, completei na Póvoa de Varzim, no
Liceu Nacional da Póvoa de Varzim. Fiz o 12º ano. Tenho um irmão que é
engenheiro da construção civil.
Havia uma relação entre professor-aluno completamente diferente do que
existe agora. Portanto, havia mais rigidez, não só pelos professores, mas
inclusivamente pelos pais. Eu recordo-me, por exemplo, que em casa do meu
avô, onde eu passei muito tempo também com os meus pais, que ninguém
se sentava à mesa sem o meu avô se sentar. Agora, como sabem, trata-se
por tu o pai, não há qualquer problema de relação.
Tive um pai que penso que se recordar o que era a relação entre pai e filho,
na altura, tinha um pai um bocado avançado para a altura, pôs-me sempre à-
vontade para lhe pôr qualquer problema que tivesse.
Ah, sim, gozei bem a minha mocidade: desde as serenatas em que por
vezes, no fim, se roubava uma galinha para se comer à noite, por exemplo,
isso não se deve dizer, mas é verdade; desde… recordo, por exemplo, um
colega, um elemento do grupo, que nos dizia onde é que havia os coelhos
que nós de vez em quando comíamos.
Felizmente, os meus pais tinham possibilidades económicas.
Até ir para a tropa. Vinte, vinte e tal anos; depois, entretanto, casei. Vim da
tropa, casei, vim para o Porto, quando venho para a Banca, e praticamente
vivi sempre aqui na cidade do Porto. Tivemos a possibilidade de escolha, o meu pai deu-me sempre abertura e
forçou sempre a que tirássemos um curso superior.
Serviço Militar
Fui voluntário para as Forças Aerotransportadas, mais conhecidas por pára-
quedistas. Três anos. E gostava imenso. Fui mobilizado três vezes e acabei
por ser desmobilizado, e a razão é esta: é que na altura em que andei nos
pára-quedistas, portanto ou havia aspirantes milicianos ou soldados rasos, e
o aspirante miliciano tinha que ter, na altura, o sétimo ano completo – não é?
– ganhávamos mais que um cabo miliciano, tínhamos melhor alimentação.
Depois aumentaram o efectivo, porque juntaram a Força à NATO. 1967/1968,
penso eu. Éramos uns privilegiados, não (se) passava de soldado, embora
um soldado ganhasse, na altura, recordo-me que eram, salvo erro, 550$00 –
um cabo miliciano ganhava 90, não é? – e não tinha o mesmo prestígio que
cá fora tínhamos.
Nós, na altura, quando éramos mobilizados, saíamos meia-dúzia, portanto
não era um contingente como era no Exército, nós fazíamos era o apoio às
forças terrestres.
No fim-de-semana em que me deram a notícia que ia para a Guiné, tive,
então um sintoma que, depois, o médico me disse que era o que se chama
papeira.
Devo a vida precisamente ao facto de ter ido para os pára-quedistas. Não sei
se se recordam desse acidente que foi o desastre de Custóias, dum vagão
que se soltou da composição. Morreram uma série de rapazes, na altura iam
ser mobilizados, iam apresentar-se no quartel.
Actividade Profissional
Comecei nos tribunais, também, talvez por influência do meu pai. Como
escriturário. Depois, fui para a Póvoa, também como escriturário: era uma
época em que havia dificuldade de emprego. Por volta de 69. Foi aquele
período da Guerra do Ultramar, depois houve o regresso de muita gente,
havia poucos empregos, havia muitos concorrentes e eu concorri para tudo e
mais alguma coisa. Entretanto, tinha feito o concurso de Aspirante de
Finanças. Só lá estive três meses, mas saí completamente aborrecido,
porque saiu, na altura, um Decreto-Lei que, depois do concurso, fizeram uma
revisão aos quadros e eu deixava de ser aspirante para ser estagiário.
Fui para o Banco. Na altura, "declaro por minha honra" em que, enfim, não
sei que mais – havia um compromisso que se era obrigado a fazer… Pronto,
a Ditadura… quem não se metesse nisso andaria mais ou menos
descansado… quem tivesse umas ideias mais avançadas, pois tinha
problemas, não é?…
Fui parar a um balcão, a ganhar 2300$00, chamava-se Dependência da Boavista.
Foi uma surpresa para mim. Posso dizer-lhe que tínhamos um
horário que nos permitia almoçar juntos; era capaz de almoçar por 12$00 ou
13$00, na altura, o gerente não tinha qualquer relutância em vir ajudar fosse
no que fosse, nós promovíamos lanches, jantares. Os salários foram sendo
actualizados anualmente. Ultimamente não acontece isso: diminuíram o
efectivo dentro do Balcão, passaram-se a trabalhar mais horas que não eram
remuneradas. Inicialmente nunca trabalhei uma hora que não fosse
remunerada. A Banca, para quem trabalhou trinta e um anos, está
irreconhecível actualmente.
Eu reformei-me em 1998.
Actividade Associativa
Tive uma fase até aos meus vinte, até ir para a tropa, digamos, que era a
fase do culturofilismo, das práticas desportivas. O desporto poderia
complementar aquilo que eu ambicionava, que era ser atlético. Fui jogador de
Futebol do Rio Ave, portanto, jogador federado, tinha os meus dezoito anos,
recebia 7$50 por treino, 100$00 por empate e 150$00 por vitória, pratiquei
atletismo – fui proibido de continuar a jogar futebol porque era um cábula - .
Recordo-me que com os 7$50 que recebia de treino comíamos o prato
completo, com a sopa, a sobremesa, o vinho, ainda ficava com muito lucro;
fiz provas, fui para os pára-quedistas, pratiquei boxe, pratiquei culturofilismo,
estive ligado à criação de algumas associações, tenho o curso do Charles Atlas,
depois passei a uma outra fase em que praticamente abdiquei da parte
desportiva para passar à parte mais cultural, portanto, passei os anos mais
sentado a uma secretária.
Gostei sempre de tudo o que fosse ligado às nossas tradições, aquilo que
não era moderno. Ainda durante o meu primeiro casamento, sou convidado
por um cunhado meu para o ajudar a arranjar verbas para as obras da Igreja
lá da terra. Tinha um espírito dinâmico. Nessa altura criei um grupo de dança
de música moderna, pop, tudo raparigas com calças de ganga a dançar
músicas conhecidas, mas a coreografia era feita por mim, comecei a arranjar
uns artistas que também cantavam, aliás já cantava nas serenatas, criei um
grupo de danças tradicionais, fiz de palhaço – tínhamos mesmo um programa
de variedades.
A partir de 1969/1970, após casado.
Era o Rancho Folclórico de São Salvador de Touguinhó, uma freguesia de
Vila do Conde, passou a ter discos também lançados no mercado.
Havia camionetas que se organizavam, que nos iam ver. Era uma aldeia, era
uma forma de ocupação dos tempos livres que é uma das facetas
importantes nas colectividades, a ocupação dos tempos livres, foi uma forma
de darmos nome à terra, as pessoas acompanhavam-nos.
Foi em 1975 que foi fundado o grupo. Teve pouco sucesso. Fui falando com
pessoas da zona, que me explicassem no que diz respeito a que trajes
usavam, danças e cantares. O Padre Maia faz-me um convite para criar aqui
um outro grupo folclórico na Paróquia da Areosa. Eu aceito, na condição de
fazer um grupo a sério. Em 1979. Foi um grupo que vivia de subsídios,
Governo Civil, Câmara, INATEL, porque estava legalizado, tivemos de fazer
escritura notarial, de sócios. Depois, tínhamos outras campanhas de
angariação de fundos, que era o caso dos peditórios, dos sorteios. Então,
aceitei o desafio e, no dia 9 de Outubro de 1979, foi fundado o Rancho Folclórico de Paranhos.
Inicialmente, foi criado com o nome de Rancho Folclórico de Nossa Senhora da Areosa;
havia uma certa confusão com um
grupo já existente de Viana do Castelo, o Presidente da Federação de Folclore
disse que concordava que mudássemos o nome, assim evitava-se
as confusões.
Isto tudo foi feito com carolice, como é evidente. Começamos por utilizar a
sala de espectáculos da paróquia, que era um pré-fabricado. Era um espaço
que também estava em obras. Posteriormente, cedem-nos, num pré-
fabricado, uma salinha que passou a ser sede.
Conjugámos esforços e conseguiu-se, há talvez quinze anos, esta área, onde
foi colocado este pavilhão. Foi-nos dado este espaço em bruto, rebocamos
paredes, pusemos a parte eléctrica. O Rancho Folclórico de Paranhos é o
único da cidade do Porto inscrito na Federação do Folclore Português. Um
aval de qualidade, não é? Para se ser federado tem que se fazer um
processo onde se tem que descrever os trajes, onde é que se foram buscar
e, portanto, o que é que se tem.
Depois tem que se fazer uma exibição ao vivo, e só depois de passar nesses
dois testes, portanto, um que será analisar o processo que é feito pela
colectividade, outro que é a exibição ao vivo, é que o Grupo pode entrar ou
não para a Federação.
Nós criamos um festival, sempre no último fim-de-semana do mês de Julho.
Este festival foi sempre mantido, foi feita a primeira edição aqui nos terrenos
do infantário, depois passámos o festival para o Palácio de Cristal, para a
cúpula, o Pavilhão Rosa Mota. Sempre foi um festival internacional. Depois
achamos que a Praça General Humberto Delgado, a sala de visitas da
cidade, dava mais condições à organização. No ano passado, pensei passar
o festival de três para sete dias – concretizou-se. Este ano foram
considerados em todo o país apenas nove festivais CIOF (Comité
Internacional de Organização de Festivais de Folclore e Artes Tradicionais).
Neste momento temos cerca de quinhentos associados, embora nem todos
paguem. São cinquenta pessoas que contribuem de uma outra forma
também para a subsistência do grupo; temos os subsídios, estatais, da Junta de Freguesia,
da Câmara, Governo Civil, INATEL, até porque temos muitas
actividades. Somos membros da Associação Portuguesa do CIOF.
Temos muitos apoios porque o festival tem um cariz de cidade e não local.
Não se compreende que um grupo folclórico esteja a dançar coisas que não
sejam da sua zona. Criamos a primeira feira rural em Paranhos, como há
cem anos. Vamos ter no último fim-de-semana do mês de Setembro a
segunda desfolhada em Paranhos, como há cem anos, cantamos todos os
anos as Janeiras. As Festas de São Veríssimo fazem o festival deles e pedem-
nos para sermos nós a contactar os grupos.
Todos os anos, o Rancho de Paranhos se desloca ao estrangeiro. Criámos
uma escola de música o ano passado. Nós temos famílias inteiras aqui no
grupo.
Numa actividade como esta, os pais sabem que o filho vem para aqui todos
os dias à noite, tem os seus ensaios, vai para fora, no país e no estrangeiro,
e, portanto, os pais acompanham. No fundo, dar continuidade a um trabalho
dos pais.
Ás vezes dou aulas de formação para animadores culturais e pessoas
relacionadas com a área cultural, no que se refere a tradições, e em áreas de
psicologia multi-gestão, por exemplo, no Centro de Emprego. Depois, passei
a dar aulas num ATL, para crianças. Depois, passei a dar noutra escola, com
alunos mais crescidos. Paralelamente, há aquelas palestras, em que o grupo
vai atrás de mim, intercalamos com a actuação do próprio grupo.
Temos alguns prémios, mas contesto os prémios porque são inimigos da
autenticidade. É por isto que não promovemos concursos.
Eu tenho vindo a fazer um levantamento sobre a cidade do Porto, ligado à
Associação Cultural Portuense, em que sou director, nessa associação, de
uma revista, a chamada Portus.
Em Agosto de 1999, houve um grupo de associados que me foi convidar para
voltar novamente aqui para o rancho, porque havia uns problemas que,
inclusivamente, faziam perigar a continuidade do grupo. Eu assumi, só
porque sou o pai da criança.
Estive à frente do grupo cerca de onze anos, entretanto saí, porque fundei a
Associação Cultural Portuense, vocacionada para a defesa do património,
mas mais erudita. Eu tinha convidado elementos para formarem uma
direcção, eu não sou eterno e a idade avança e a coisa que mais me custaria
é saber que amanhã o grupo acabava; acho que devem ser preparadas
pessoas para conduzir os destinos do rancho e dar continuidade. Então
propus uma direcção, foram precisamente essas pessoas que votaram
contra a admissão da que hoje é minha mulher, porque entretanto divorciei-
me. Fiquei muito ferido pelo facto e afastei-me do Rancho de Paranhos. Entretanto, a Associação Católica do Porto também estava desactivada,
havia um amigo que me convidou. Criei lá umas actividades… sou sócio, mas
saí das actividades, que não tenho tempo. Ainda hoje recebi um convite, iam
agora fazer um convívio piscatório. Há teatro, na Associação Católica…
danças, variedades, convívios, mas gosto de ter liberdade para trabalhar, e
dentro dos conceitos que tem… uma hora para fechar, aos domingos está
fechada, portanto não me deixava trabalhar. E foi aí que nasceu a
Associação Cultural Portuense. Inclusivamente a Associação Católica cede-
nos a biblioteca para ser a primeira sede.
Oficialmente, a sede é em minha casa. Temos a Junta de Santo Ildefonso
que nos deixa reunir, não nos cedeu nenhum espaço, mas deixa-nos reunir
nas suas instalações e, portanto, temos lá umas coisas guardadas. Tem
cerca de 300 associados.
Os objectivos são a recuperação, estudo, divulgação e preservação de todo o
património da cidade do Porto, e, depois, o fomento de actividades: primeiro
recuperar, estuda-se o que se recupera, depois divulga-se, porque
divulgação é um primeiro passo para conseguirmos preservar.
Fizemos uma exposição englobada no Porto 2001, "O Perdão das Árvores",
neste momento a circular pelo país; a Dra.Teresa Lago esteve nessa
inauguração. Estamos a promover o Terceiro Concurso de Fotografia,
baseado, evidentemente, no património. Estamos a encabeçar um
movimento para que a estátua de D. Pedro IV não seja alterada. Fazemos
todos os segundos sábados de cada mês encontros de poetas… temos uma
revista cultural chamada Portus. Embora seja vendida por um preço
simbólico de 350$00, na maioria é oferecida, pelas bibliotecas, entidades e
colectividades.
Há uma proposta para se fazer uma homenagem ao Horácio Marçal, que é o
autor da primeira monografia de uma freguesia da cidade, chamada São Veríssimo de Paranhos
– tive a sorte de conhecer o Horácio Marçal, já
faleceu com oitenta e tal anos, admirava muito o eu ser jovem e andar
envolvido em livros, fez-me muito bem as conversas que tive com ele,
ensinou-me muitas coisas. Umas das coisas que eu achava interessante, até
porque Paranhos é uma das freguesias que ainda hoje conserva
características rurais, basta olhar aqui à volta do Hospital de S. João, por
exemplo, nós vemos terrenos e terrenos de cultivo que se estão a perder.
Na associação já promovemos um debate aqui no Porto para se analisar o
que é que se devia chamar, se é rusgas ou se é marchas – marchas é em
Lisboa, mas o que é verdade é que há uma certa confusão, aqui há uma
certa confusão entre carácter comercial...
Ainda há o mirandês. Há relativamente pouco tempo publiquei na revista
Portus um artigo sobre poesia popular, mas em mirandês, e então explorei
essa... portanto, a troca do "v" pelo "b", fazendo precisamente um
levantamento dentro da poesia popular, quadras. Como vê, também me
interessa a minha terra.
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