Manuel Teixeira da Barra
Dados pessoais, infância, escolaridade
Chamo-me Manuel Teixeira da Barra e nasci a 27 de Março de 1950, na
Maternidade de Júlio Dinis. Os meus pais moravam em Ermesinde mas tinham
tuberculose, em estado já muito avançado, por isso, três meses depois do meu
nascimento fui para um hospício na Foz, o Lar da Criança Portuguesa. A
doença deles era tratável mas era muito cara, cerca de 20 contos, na altura era
uma fortuna. Seis meses depois do meu nascimento o meu pai morreu e meio
ano a seguir morreu a minha mãe. Eles deveriam ter cerca de 21 anos. Eu
continuei no hospício até aos meus 3 anos. Ainda tinha os meus avós paternos
e a minha avó materna mas as dificuldades eram muito grandes e não podiam
cuidar de mim. A minha irmã mais velha ficou com uma madrinha e tia, gente
da pequena burguesia de então.
A minha avó materna visitava-me constantemente e apercebeu-se que as
condições que lá existiam eram péssimas. Eles utilizavam-me para fazer a
pedincha, mendigar para a caridade. Passava-se fome e muitas dificuldades.
Mas havia lá uma senhora que gostava muito de mim, começou a zangar-se
com os dirigentes daquela instituição e começou a pressionar a minha avó para
ela me tirar de lá para fora. Para isso, a minha avó teve de assinar um termo de
responsabilidade em como tinha meios suficientes para me poder sustentar.
Então, de 3 em 3 meses vinha um inspector da tutoria fazer uma visita lá a
casa para verificar se eu estava a ser devidamente tratado, dentro dos
parâmetros que eles estabeleciam. Na altura morava onde ainda hoje moro,
numa ilha, em Paranhos, no Porto.
Quando eu vou para a escola, no Bairro Costa Cabral, o dito agente da tutoria
trás uma caderneta para trimestralmente ser assinada pela professora a atestar
o meu comportamento. Mas eu era daqueles traquinas, a determinada altura
tinha lá rixas, e a professora ficava à rasca. Chamava a minha avó, porque
tinha de assinar o documento, e punha comportamento suficiente. O tipo pegou
logo por aquilo.
A escola era separada, não era mista. Às vezes lá havia sururu com as
professoras porque a gente passava os arbustos para o outro lado e íamo-nos
meter com as raparigas. Na altura havia castigos corporais. Fiz a 4ª classe e
saí para ir trabalhar.
Quando saio da escola aparece novamente o agente da tutoria: queria a
caderneta para levar ao patrão, quando eu fosse trabalhar. Eu e a minha avó
revoltámo-nos e acabou aí a história do agente da tutoria, porque não tinha
jeito nenhum.
A minha avó tinha enviuvado e casado 2ª vez. Eu tratava o marido dela como
padrinho, não como avô, mas ele era, de facto, mais meu amigo do que ela.
Era negociante de carneiros: ia para as feiras, comprava carneiros, levava-os
ao matadouro e depois fornecia para os talhos. Ia às feiras de Ponte de Lima,
Arcos de Valdevez, Barroselas, Barcelos, mas fundamentalmente, tinha um
indivíduo em Braga de marcava negócios e o velhote lá ia com uma camioneta
que era alugada para fulano, beltrano e sicrano. Depois chegavam, metíamos o
gado num aido que lá tínhamos e depois levávamo-lo para o matadouro. Duas
vezes por semana, cerca das 4h30, 5 da manhã, eu levantava-me para levar o
gado ao matadouro de Matosinhos. Com 5, 6 anos, ia a pé até Matosinhos a
tanger o gado. Demorava cerca de 2 horas. Por vezes também ia ao
matadouro da Maia, em Milheirós, e ao do Porto, dependia dos clientes.
Depois, o carro do matadouro é que fazia a distribuição aos clientes. Parte do
peso do produto era deduzido pelo matadouro, uma espécie de taxa municipal,
para pagar o trabalho. Na altura do São João também se matava em casa, mas
era complicado porque era ilegal.
Quando vinha da escola também ia ajudá-lo. Ele ia ter com os clientes e eu
ficava a pastorear. Era na área de Paranhos, onde está a ser construída agora
a cidade universitária, aquilo eram só campos e bouças. Muitas vezes havia
uma ovelha que paria uma cria e já não podia ir para o campo para comer. Lá
ia eu roubar erva aos campos. Quantas vezes eu fazia de parteiro... Depois ia
buscar feixe de rapão, que era aquele erbaço das bouças, que traz mato,
caruma, folhas das árvores e tal, para fazer a cama para o gado. Tínhamos o
cuidado de manter o gado limpo. Eu moro numa ilha que tem 5 casas. Aquele local teve uma transformação
completamente radical. Aquilo era um pomar que fazia parte da antiga Fábrica
Manuel Pinto Azevedo, que era a Fábrica da Areosa. Só lá trabalhavam cerca
de 3000 e tal operários. Era uma fábrica com características muito
socializantes: havia uma creche para as crianças dos operários, tinha escola,
tinha cantina, tinha médico permanente... O marido da minha avó, muitas
vezes, fornecia para lá carneiros para a cantina. Eu não fiz serviço militar, eu sempre tive problemas de olhos. A deficiência não
dava para ficar livre mas tive que usar a minha manha, não é? Acabei por não
ir á tropa, que se eu fosse era em 1970, em plena Guerra Colonial. Eu casei em Agosto de 1974, já casei em liberdade. A minha mulher também
tem a 4ª classe, trabalha numa fábrica têxtil, é uma operária polivalente:
tecedeira, caneleira, cortadeira, faz uma série de coisas.
Actividade Profissional
Aos 12 anos fui trabalhar para um escritoriozinho como paquete, na Rua Duque
de Loulé. Trabalhava das 9h ao meio dia e das 14h30 às 19h, e ao Sábado de
manhã até ao meio-dia e meia, ganhava 5$ por dia. Aqui estive durante um ano
e meio.
Depois vim-me embora e fui para uma empresa, que já faliu, que era a Emir, de
material eléctrico, aqui na Areosa, onde fiquei um ano e pico. Aí já ganhava
20$ por dia, trabalhava das 8 às 18 horas e aos Sábados de manhã. Entrei para
os escritórios mas chateava-me estar ali directamente ligado com o patrão e
com o engenheiro e pedi para ir para a serralharia. Na serralharia uma ocasião
parti uma broca dentro da peça e como castigo fui partir sucata. Depois vim
para o armazém, onde também me chateei com um indivíduo. Ameacei-o, ele
fez queixa de mim ao engenheiro e este mandou-me embora.
Aos 14 anos comecei a ganhar sozinho, para sustentar a casa. A minha avó
era doméstica e o marido também já não podia trabalhar, estava muito doente.
Eu tirava um abono para eles que a Caixa de Previdência dava, era 60$ para
cada um.
Depois da Emir fui trabalhar para a têxtil, numa empresa que também já faliu
que era Sebastião Martins Moutinho, ali em São Roque da lameira, mais
conhecida por Vadolas. A fábrica devia ter perto de 100 trabalhadores, muito
perto de 100. Aí já só ganhava 12$ por dia. Nesta entrava às 8h e saía às
18h30, também trabalhando aos sábados de manhã. Era medidor e infestador
de tecido, na secção de acabamentos. O pano vinha dos teares e eu estava
numa máquina que dobrava, enrolava, media e infestava o tecido. Aquela
máquina já era completamente obsoleta em relação aquilo que já existia na
época.
Entretanto a empresa faliu e fui trabalhar para a Maitex, em Águas Santas.
Tinha poucos trabalhadores, cerca de 20 e pico. Fui também para a secção de
acabamentos, para ramulador. Trabalhava numa máquina onde entrava a peça
de fazenda num balseiro que tem uma goma. Depois o pano ia para uma
calandra, que tinha 2 rolos que comprimiam a fazenda, de onde saía muito
brilhante e tesa. Na Maitex ganhava 35$, mas não cheguei a ficar um ano. Lá
trabalhava-se em turnos rotativos de semana a semana: um turno das 7h às
15h30; outro das 15h às 0h30; e outro das 23h às 7h. Os trabalhadores
estavam abrangidos por um seguro de trabalho. Uma vez tive um acidente,
fiquei com um dedo debaixo de um ferro de 200 quilos. Eu não sei onde é que
fui buscar força para o levantar para tirar o dedo, só que rasguei o dedo e tive
de ir para o Hospital de Santa Maria. Da Maitex saí porque me chateei com o
encarregado e tive um castigo de 8 dias, eram 8 dias em que não podia ir
trabalhar e não recebia. Fui-me despedir.
Então fui para outra empresa, também têxtil, a Estamparia e Acabamentos
Reunidos, junto à antiga Fábrica da Raion, onde trabalhavam cerca de 40
operários. Fui para lá ganhar 47$50, como dobrador de tecidos, que era estar
na banca na fase de acabamentos. A fazenda vinha da máquina medida a
metro e a gente fazia-lhe umas dobras e atava-lhe umas fitas. Tinha vantagens,
porque ficava perto de minha casa e tinha só um turno, das 8h às 18h. Com a
polivalência no trabalho acabei por ser medidor e infestador de tecidos,
também. Ao longo do tempo que fiquei lá fui tendo alguns aumentos, quando
saí já ganhava 55$.
Eu comecei a trabalhar lá em Dezembro de 1967 e no ano seguinte já tinha
direito a férias, mas não me deixaram gozá-las. Quando vim embora da fábrica,
em 1970, levei-os a tribunal, queria que me pagassem as férias de 1967. No fim
tiveram que pagar em triplicado. As férias eram 15 dias, pelo Decreto-lei
49/408, da Lei Geral do Trabalho de 1969.
Depois mudei de ramo e fui trabalhar para a Sonafi em São Mamede, de
metalurgia. Foi a 1ª fábrica de fundição injectada no país, implantada por um
belga e depois tomada pelo Mardel Correia e pelos Condes Carias. Aí trabalhei
de 1970 até 1981. Na altura eram 740 trabalhadores, hoje, se lá houver 150 são tem
muitos. Mudei de ramo porque os metalúrgicos ganhavam mais e tinham
características mais reivindicativas, daí conseguirem melhores salários e
regalias sociais. Fui para lá ganhar 72$800 e o meu horário era das 8h às
18h30. Havia turnos mas eu não trabalhava por turnos, trabalhava no horário
normal. Ao Sábado não se trabalhava porque todos os dias dávamos mais 15
minutos ou meia hora de trabalho. Eu fui para polidor de metais, passado 5
minutos ficava todo preto. Trabalhava com dobradiças, fechaduras, puxadores,
bases de cadeiras... Fazia blindagens para a Berlier Travagal, fazia carrinhos
de pesca, os famosos carrinhos Sofi... Os meus dedos estão ligeiramente
torcidos, isto é um defeito de formação profissional, de polir, que é desgastar o
ferro, alumínio, latão, seja o que for, os metais, com uma escova de pano e
sabão abrasivo. É uma profissão que provoca problemas respiratórios. A Sonafi
na área da higiene e segurança já tinha algumas condições. Lá, quem
produzisse mais tinha direito a um prémio de produção e por isso, havia gente
que nem à casa de banho ia, esfarrapavam-se todos só para levar mais uns
tostões ao fim do mês. Comigo nunca eles ficaram ricos.
Lá para Fevereiro de 1972 colocou-se a questão de aumentos salariais e certo
dia, durante a hora do almoço, pus-me em cima de um caixote e toca a fazer
um comício e vamos para a greve, a secção de polimento, com uns 50
homens, e a secção de serralharia, com uns 20 e tal. O resto da empresa
continuou a trabalhar, mas depois lá veio o aumento, cerca de 18 ou 20$, e
toda a gente o levou, menos eu.
Ainda em 1972 houve 400 operários a fazer um abaixo-assinado ao sindicato em
defesa da semana americana de trabalho. Nós já só trabalhávamos de 2ª a 6ª
mas tínhamos que dar aquele excesso no final da tarde. Na altura, esse
abaixo-assinado não resultou, mas veio a concretizar-se mais tarde.
Mais tarde, talvez em 1973, houve também outra paralisação mas aí já abrangeu
mais gente, uns 700 e tal trabalhadores. Nos escritórios nunca havia quem
parasse mas, mesmo assim, pararam à vontade mais de 50% dos
trabalhadores. Aí já houve aumento para toda a gente, eu levei menos mas
também levei.
É daí que começo a estar integrado na Comissão de Jovens dos Metalúrgicos. Em 1990 fui para vendedor de livros para a CDL, e passado um ano e pico fui
para vendedor de rolamentos e máquinas, já mais dentro da minha área, na
empresa onde estou hoje, a IT Comércio Internacional, SA. Mas eles acabaram
com esse sector e estou agora mais ligado ao apoio ao sector administrativo, ir
aos clientes buscar e levar facturação, letras, ir aos bancos, etc.
Actividade Sindical
Logo que comecei a trabalhar na Sonafi também me associei ao Sindicato dos
Metalúrgicos. Depois também entrei para a Comissão dos Jovens Metalúrgicos
onde discutíamos, já em 1972, a revisão do contrato colectivo. A luta passava
também pela criação de bibliotecas dentro das instalações da empresa. Dessa
comissão faziam parte o Domingos Oliveira, o Libertário, o António Soares da
Efi, o Domingos Sá, um tal Rocha dos STCP, o Carvalho da EFACEC...
Nesse ano de 1972 a revisão do contrato colectivo deu azo a muitas iniciativas.
Uma foi a concentração de cerca de 1000 metalúrgicos frente ao Instituto
Nacional do Trabalho. Outra foi uma Assembleia Geral na FNAT, na Batalha,
quando saímos todos em desfile e viemos pela Rua D. João IV até ao sindicato
e depois houve porrada com a PIDE.
A 5 de Janeiro de 1974 também fizemos uma Assembleia Sindical no Pavilhão
Infante Sagres, que juntou 3000 metalúrgicos. Nessa altura era o António Mota
o presidente da assembleia geral, e o presidente da direcção era o Manuel
Nobre. Eu era da comissão de jovens. Apareceram lá diversos pides mas
foram um a um enquadrados por vários trabalhadores, para que não
levantassem confusão.
Logo a seguir ao 25 de Abril fui delegado sindical e fui também para o
secretariado da USP, em representação do Sindicato dos Metalúrgicos. Depois
de alterado o processo de eleição do secretariado da USP, que deixou de ser
representativo e passou a ser nominal, também fui eleito. Depois saí e fui eleito
para a direcção do Sindicato dos Metalúrgicos e também para a Federação
dos Sindicatos dos Metalúrgicos. Depois também saí e em 1981 fui convidado
para funcionário do Partido Comunista Português.
Cheguei a estar quase a tempo inteiro no sindicato e na USP também. E houve
um período em que ia trabalhar uns tempos porque sempre mantive contacto
directo com a empresa e os trabalhadores, para perceber de perto os
problemas que se faziam sentir. Mas o trabalho era muito intenso, havia vezes
que aparecia em casa uma vez por semana.
Durante o mandato do Maldonado Gonelha, enquanto Ministro do Trabalho,
avançou-se com uma série de legislação que alterava a lei da contratação
colectiva, a lei das férias, feriados e faltas, o que acabou por retirar alguns
feriados, por exemplo, aos metalúrgicos. Nós tínhamos o chamado feriado
eventual, que tinha sido uma conquista anterior ao 25 de Abril, presente no
próprio contrato colectivo. Como o 1º de Maio não era feriado, era nesse dia
que os metalúrgicos gozavam o seu feriado eventual. Depois do 25 de Abril,
como o 1º de Maio passou a ser feriado oficial, nós começámos a gozar o
feriado eventual no dia 24 de Dezembro. O Gonelha retirou-nos o feriado
eventual precisamente no ano em que o dia 24 calhava num Sábado. Tentámos
mobilizar os trabalhadores contra essa medida, mas eles não se deram conta
da alteração, só vieram a reparar ao fim de 3 anos, quando já era muito tarde.
Em 14 de Outubro de 1975 há o assalto à sede da USP. Eu estava lá dentro na
altura. Vinham em manifestação, de um comício, uma 5 ou 6 mil pessoas e
param em frente à USP. Chegámos a andar debaixo de tiro. As forças de
segurança quando chegaram, em vez de apoiar os que estavam ali
sequestrados, ainda nos vieram revistar e pressionar-nos a sair das
instalações. Nós não saímos, estávamos uns 15. Em 1982, houve confusões no 1º de Maio. A CGTP mobilizava sempre para a
Praça mas, naquele ano, o Governador Civil cedeu a Praça à UGT. Nós não
concordámos e mobilizámos para lá na mesma. As pessoas revoltaram-se
contra aquilo e começou a carga policial. Acabou por haver vítimas mortais. No
dia seguinte fizemos uma manifestação que foi uma coisa louca, em termos de
milhares de pessoas.
Actividade Social e Política
A 1ª associação de que fiz parte foi a Associação Recreativa Dramática da Giesta, com 18, 19 anos. Eles estavam a formar o corpo cénico para fazer a
representação de uma peça que era a "Rosa do Adro" e eu fiquei com o papel do
"Dr. Resende".
A 2ª colectividade onde participei foi no Flor de Pedrouços. Pagava 25 tostões
de quota. Tinha uma tradição muito grande de peças de teatro e revista, e
organizava bailes aos fins de semana. Um grupo ligado à JOC, ao qual eu
pertencia, resolveu fazer uma lista para concorrer à direcção e ganhamos, mas
o presidente da mesa da assembleia geral boicotou as eleições: mandou uma
carta a dizer que não podia estar presente por motivos de força maior, como tal
a eleição seria anulada "sine die". Entretanto prepararam um processo de
impugnação do processo eleitoral, continuando em funções a direcção anterior.
Na altura em que me associei foi colocada então a questão de fazermos um
colóquio sobre a inflação, com o Armando Castro. Os gajos boicotaram aquilo
tudo, cortaram a luz quando ia começar, e as nossas fichas foram parar à
PIDE. Depois nunca mais lá voltei.
Foi a partir daí que eu começo a entrar mais na actividade mais ou menos
organizada. Foi aqui que se formou o núcleo do MJT, em que toda gente
estava ligada à JOC. Os objectivos do MJT relacionavam-se com a luta contra
o fascismo, a luta contra a Guerra Colonial, pelo direito aos voto aos 18 anos,
pelo direito às 2 horas por dia para ir para a escola, pelo direito ao dia dos
exames. Depois estes grupos ligavam-se aos respectivos sindicatos. Em
termos do MJT lembro-me de pessoas que tiveram alguma actividade: o
Libertário Pinto, o Fernando Serafim, o Fernando Mendes do Sindicato dos Metalúrgicos, o Neca Santos, pintor da construção civil, o Henrique Rocha, o
Joaquim Sá, o Domingos Sá, o Armando Castro, da siderurgia, o João Castro,
o Jacinto Almeida Gil, entre outros. Depois entrei nos Leais e Videirinhos de Pedrouços, onde estive mais tempo e
cheguei a ser presidente da assembleia geral, mas já depois do 25 de Abril.
Depois chateei-me. Na JOC nós fazíamos colóquios, debates sobre diversos temas e a PIDE
muitas vezes ia lá assistir. Felizmente nunca fui preso. Fazíamos convívios, em
que havia sempre um debate com um tema, ou era a Guerra Colonial, ou era o
problema do jovem trabalhador, o problema da repressão nas empresas, ou o
problema dos salários baixos. Depois começámos a ser acusados pelo padre
da nossa actividade: fazíamos tudo isso e não íamos à Igreja. Chagámos a
fazer abaixo-assinados com milhares de assinaturas sobre a falta de
saneamento em Pedrouços, e levámo-los à Câmara da Maia, já era na altura o
Vieira de Carvalho o presidente.
O irmão do padre morreu em África, e nós toca a distribuir panfletos contra a
Guerra Colonial, a incitar as pessoas a revoltarem-se. A reacção do padre foi
meter um pide no carro e andar à nossa procura, a ver se nos apanhava. Ele
acusava-nos de actividades subversivas debaixo da capa da Igreja. A participação das mulheres a nível de colectividades era muito difícil, com
excepção de quando se faziam peças de teatro. Às vezes era muito difícil os
pais deixarem, mas lá vinham com o pai ou a mãe ou a irmã a acompanharem.
A nível da JOC e do MJT já havia uma participação mais activa: as pessoas já
estavam mais libertas.
Nós aproveitávamos o São João para distribuir manifestos e cantar quadras
soltas de protesto. A juventude era, de facto, o grande motor da agitação e
propaganda em todas as áreas. Arranjava-se muitas comemorações, o 5 de
Outubro, o 28 de Março, o 31 de Janeiro, o 8 de Março... Antes do 25 de Abril, em 1970, 1971, cheguei a participar em reuniões no
estrangeiro, fundamentalmente a nível do MJT. Participei no 10º Festival da Juventude e Estudantes na RDA, Berlim, de 1 a 8 de Agosto de 1973. Era
muito complicado sair do país naquela altura: eu tinha de ter pelo menos 10
contos no banco para poder tirar passaporte, ou então arranjar um fiador. Eu
não tinha esse dinheiro e insisti para tirar o passaporte sem fiador. Acabei por
ser chamado à PIDE, para saberem para que é que eu queria um passaporte, e
andei ali uns tempos. A verdade é que tive mesmo que arranjar um fiador, que
foi o falecido Teixeira de Sousa, o matemático. Antes de ir houve a preparação
da viagem com as pessoas que iam, e marcámos um encontro em Leiria.
Alugamos umas camionetas mas chegados a Coimbra fomos interceptados
pela PIDE. Em Leiria foram todos parar ao quartel da GNR, durante umas horas
largas. Esse encontro foi por água abaixo. Nós tínhamos um jovem ligado à
PIDE infiltrado. Para a RDA, daqui do Porto fui eu, o Toni Carvalho, o Henrique de Sousa, o Mário Freitas, uma Margarida, a Alzira Leite, o Pina Moura... Este
festival era um evento que reunia a juventude a nível mundial. Consistia em
várias reuniões e alguns encontros bilaterais. Chegámos a reunir com a
delegação do PAIGC, do MPLA, da FRELIMO. Nós privilegiávamos estes
encontros porque a nossa luta também estava muito centrada contra a Guerra
Colonial. Em 15 de Abril de 1972 houve uma grande acção contra a carestia de vida.
Aquilo foi uma manifestação e pêras, na Praça da Liberdade. A polícia fez um
cordão e cercou a praça toda. Essa manifestação foi preparada das mais
variadíssimas formas, através de papéis metidos nas caixas de correio, através
de caixinhas com uma bomba de foguete que espalhava papéis muito finos,
tipo casca de cebola... A manifestação foi um êxito em termos de mobilização,
na altura falava-se em cerca de 40.000 pessoas. Houve porrada com a polícia,
foi muita gente para o hospital e alguns foram presos. Também estive no 3º Congresso da Oposição Democrática em Aveiro, em
1973. Aveiro esteve em estado de sítio. No dia do encerramento fizemos um
desfile pela avenida principal com palavras de ordem contra o regime, contra a
Guerra Colonial. Claro aquilo estava cercadíssimo, apanharam-nos, aquilo foi
com cães e tudo. Depois tivemos uma sessão de encerramento no Cineteatro de Aveiro, onde foi feito o Congresso. Em Outubro de 1973 há outra manifestação. Foi por alturas da farsa eleitoral,
em que depois eles cortaram os direitos políticos às pessoas, que já não os
tinham, por isso surge essa manifestação. O comício foi no Coliseu, com a
polícia a tentar tirar o microfone ao Horácio Guimarães e o Horácio a bater-lhe
na mão e a continuar a falar. Quando chegamos cá fora houve porrada da
polícia. Eu entrei no Partido Comunista em finais de 1970, inícios de 1971, aliciado
pelo Libertário. Na clandestinidade reuníamos com um núcleos de 2 ou 3, não
conhecíamos mais ninguém, como forma de defesa.
Eu, 8 dias antes do 25 de Abril, já sabia que ia acontecer qualquer coisa até ao
1º de Maio. Nesse período houve um surto muito grande de prisões. Eu estava
de sobreaviso, tinha a indicação para estar atento, e no dia 25 de Abril ouvi
qualquer coisa esquisita na rádio, por isso já não fui trabalhar. Avançamos logo
para a praça, e ao final da tarde a multidão lá reunida engrossou
substancialmente. Nos dias 26 e 27 de Abril de 1974 começámos a tomar conta de algumas das
instituições fascistas, como por exemplo, em Aníbal Cunha tomámos conta da
sede do Movimento Nacional Feminino, que ficou a ser a sede do PCP. Depois
fomos ao CDUP, na Rua da Boa Hora, que não chegamos a tomar porque
havia pessoas a trabalhar que não tinham nada a ver com o regime. Depois
fomos a Álvares Cabral, à sede da Mocidade Portuguesa Masculina, mais tarde
sede do MJT. Depois tomámos conta da AMP Juvenil, em Júlio Dinis, onde
ficou o Sindicato dos Professores. Íamo-nos espalhando. Em 1978 aparecem os Águias. Comecei a aparecer por cá para tomar café,
passado pouco tempo convidaram-me logo a formar uma lista e a ir para
presidente da assembleia geral. Esta associação existe desde 1966 e dedicava-
se sobretudo ao futebol sénior, mas a partir de determinada altura era
incomportável manter a secção sénior. Em 1978 deu-se um impulso para criar
equipas de iniciados, infantis e juvenis. Hoje o que temos é de facto só miúdos,
em termos de futebol. A secção de bilhar foi há relativamente pouco tempo que
começamos e este ano passámos à 1ª divisão nacional. Na pesca só temos um
entusiasta e estamos e tentar avançar com o ténis de mesa. Note-se que aqui
não permitimos que nenhum atleta prejudique a escola pela actividade
desportiva. Temos cerca de 400 associados. As mulheres têm uma
participação complexa, porque embora tenhamos muitas associadas, em
termos de direcção ainda existem muitas resistências. Em 1981 fui para funcionário do partido e estive lá até 1990. Para ir para
funcionário coloquei à empresa a possibilidade de uma licença sem vencimento
de um ano, que me foi concedida. No partido fiquei responsável por algumas
das células de empresas. Hoje participo na Associação Portuguesa de Deficientes, por causa do meu
problema dos olhos, sou membro da direcção, estou no 2º mandato. A principal
vocação da associação é a luta pelos direitos dos deficientes, pela sua
integração na sociedade, e pela sua reabilitação. Também temos uma
actividade desportiva que é o basquete em cadeira de rodas e o atletismo em
cadeira de rodas. Temos o CAO, Centro de Actividade Ocupacional para
pessoas com deficiência cerebral com acordos típicos e atípicos com a
Segurança Social para obtermos subsídios. A sede é cá no Porto, na Rua do Cerco. Todos os anos temos uma colónia de férias na Árvore, Vila do Conde, e
em cada 2º sábado de cada mês há um almoço para os sócios, para ouvirmos
opiniões. Também estou na CNOD - Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes, mas aí já como suplente, representante do Porto.
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