Maria José de Jesus Loureiro
Dados pessoais, infância, escolaridade
Actividade Profissional
Aos 14 anos fui trabalhar para uma casa de família em Rendufe, como
ajudante de cozinheira. Depois morreu a mãe da cozinheira e ela foi-se
embora. Então fiquei eu como cozinheira, ainda tinha de subir um banco para
chegar ao fogão, um daqueles antigos a lenha. Não me lembro de quanto
ganhava mas era muito pouco, e trabalhávamos o dia todo, e às vezes à noite
também. Às 8 horas da manhã já tínhamos que estar lá, e trabalhava-se toda a
semana. Só ao almoço eu tinha de cozinhar 3 pratos para 12 pessoas: era um
prato de peixe, depois outro de carne, depois um assado... Era muito duro. E
tinha de ir tudo em travessas enfeitadas para a mesa. Havia um criado de
mesa que me ajudava a fazer as travessas.
Trabalhei lá até que conheci o pai do meu filho. Conheci o Zé aos 19 anos. Ele
dizia que queria casar comigo e fui viver para a casa dele, que era muito
grande e tinha uns campos, tinha ovelhas, tinha vacas, tinha bois... Pediu-me
para ficar em casa a tratar daquilo tudo, enquanto que ele ia trabalhar no
minério, ganhar dinheiro para comprar umas terras lá à beira, e depois
casávamos. Mas 8 dias depois ele morreu debaixo da mina. Eu já estava
grávida do meu único filho, o Joaquim. Isto foi em Novembro. Depois resolvi
vender tudo e voltar para casa do meu pai, mas ele não queria lá. Estava
zangado comigo e pôs-me fora de casa. Foi na noite de Natal, pôs-me fora de
casa e eu fui dormir para uma loja com as ovelhas.
Depois, de manhã, pensei em matar-me, atirar-me ao Rio Douro. Eu ia descer
por uma rampa que descia até ao rio, mas senti uma ventania que me atirou
para a estrada. Ia a passar um homem de carro de bois, perguntou-me o que
fazia, e disse-me que me levava até casa do meu irmão, que era também em
Resende, em Oliveira do Douro.
Fiquei em casa do meu irmão e da minha cunhada durante 2 anos. Foram eles
os padrinhos do meu filho. Eu ficava em casa ajudar a minha cunhada nas
tarefas domésticas. Depois o meu irmão resolveu levar-me de volta para casa
do meu pai, que me aceitou.
Então comecei a trabalhar na casa do Dr. Juiz Quintela, em Resende. Ele
depois começou a dizer-me que eu podia vir para o Porto, que tinha cá os
sogros doentes, e precisavam de uma empregada. Eu vim, porque vim ganhar
muito melhor. A casa ficava na Praça da República, e a senhora era muito boa,
muito amiga do meu filho. Aí eu fazia tudo, eles eram doentes acamados e eu
tinha que fazer o trabalho todo, em casa. Ganhava 10$00, que já era muito
dinheiro. Mas o Juíz começou a ir lá todas as semanas e não levava a esposa.
Um dia disse-me que a esposa estava doente, ia morrer, e ele casava comigo e
criava-me o filho como se fosse dele. Eu fiquei assustada e fugi. Fui à Lapa
confessar-me, e o padre disse-me que eu pensasse no meu futuro e aceitasse.
Mas eu não quis. Peguei no meu filho e vim para a rua. Quando cheguei à
Carvalhosa, meti-me na Rua de Cedofeita a chorar, sem saber o que fazer.
Encontrei um padre, contei-lhe o que se tinha passado e ele foi comigo até ao
Hospital Maria Pia e disse ao médico, o Dr. Daniel Carvalho, para cuidar do
meu filho, porque eu tinha de trabalhar.
Nessa altura arranjei um trabalho numa casa privada nas Antas. O meu filho
ficou 7 anos no Hospital Maria Pia, eu ia visitá-lo aos domingos. Mas ele lá não
estudava e o médico disse-me para levá-lo embora, porque ele precisava de ir
à escola. Dali fui ao Gaiato: não o aceitaram porque fui eu quem o levou lá,
diziam que eu ainda era nova e tinha de cuidar do meu filho. Depois fui ao Asilo
do Terço, onde o aceitaram. Esteve lá até aos 19 anos, estudou, e eu ia todos
os domingos visitá-lo.
Depois o meu pai resolveu vir para o Porto, porque era aqui que estavam os
filhos e os netos. Não tínhamos casa, o meu pai dormia debaixo de uma
ramada, e eu fui pedir ao padre. Ele deu-me logo a chave desta casa, que é
agora o Centro de Dia de Lordelo. Esta era uma casa feita por S.Vicente de Paulo, e nós
fomos as primeiras pessoas que vieram para cá: eu, a minha madrasta, o meu
pai e o meu irmão. Eu vinha dormir a casa e de manhã tornava a ir para as
Antas trabalhar.
A senhora da casa onde trabalhava era muito boa para nós mas tínhamos
medo do marido. Ele batia na senhora e ralhava connosco. Depois a senhora
D. Maria da Glória conheceu o padre da Santa Rita e lá lhe contou essas
coisas, e ele mandou uma carta para o Santo Padre que lhes anulou o
casamento. Ele então saiu de casa, e nós ficámos melhor. Lá ganhava 16$00
por mês. Era a que ganhava mais porque era a cozinheira. Nós sempre
tivemos férias, quando os senhores iam de férias nós também íamos, podia ser
um mês mas às vezes chegava a ser mês e meio. Eu passava as férias a
cozinhar numa casa do padre Garrido em Cête, uma casa de crianças. Às
vezes tínhamos subsídio de Natal mas não havia descontos para a Caixa.
Aos 19 anos o meu filho saiu do Terço para ir para a tropa: esteve um ano em
Chaves e depois 28 meses em Angola, na Guerra Colonial. Eu sofri muito, até
perdi a fala. Mas ele ainda assim teve sorte, porque ficou sempre na secretaria
do comando. Depois quando veio começou a namorar e casou. Ele é bancário,
porque a minha senhora nas Antas sabia que ele estudava muito, falou lá no
Banco e ele ficou como bancário. A minha nora trabalha de costura. Tenho 2
netos: ele é bancário, e a mais nova é médica, em Coimbra.
Aos 52 anos tive de vir reformada por causa do coração. Agora vou ocupando
o meu tempo como catequista, a dar uns passeios pela Junta e com umas
amigas, e aqui no Centro de Dia.
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