Ambrósio Lopes Vaz
Dados pessoais, infância, escolaridade
O meu nome é Ambrósio Lopes Vaz e nasci a 1 de Março de 1932, em Celorico de Basto,
na freguesia de S.Bartolomeu do Rego. Era uma terra muito católica e muito pobre, nem
uma fábrica lá havia. Os meus pais trabalhavam de jornaleiros no verão, as mulheres
ganhavam 5 tostões e os homens 1 escudo. Quando não tinham trabalho, trabalhavam de
guarda-soleiros, arranjavam guarda-sóis e a loiça que se partia, malgas e pratos, usando
pontos. No Inverno eram serviços mais duros. À noite e ao almoço só comíamos sopa,
mas era muito pouca. Éramos 10 irmãos, um morreu, e logo que começássemos a andar
metiam-nos uma saca na mão e íamos pedir esmola, por várias freguesias.
Eu, aos 7 anos fui para a escola, e fiz a 3ª classe, só depois é que fui servir, mas havia
muitas crianças que iam servir logo aos 6 ou 7 anos. A escola era uma sala única para
toda a freguesia, para os dois sexos e para todos os anos, e sentávamo-nos no chão.
Tínhamos de usar uma bata mas os meus pais não tinham dinheiro para isso. Depois
alguém entendeu que devíamos ter umas batinhas, tínhamos de pagar meio tostão por
semana, e lá nos deram. A professora via que eu passava fome e começou a dar-me de
comer. Aí já comia melhor. Os meus irmãos mais novos foram todos à escola, porque
começou a ser obrigatório, mas as minhas três irmãs nunca foram.
Não cheguei a ir à catequese, nem a comunhões, porque não tínhamos dinheiro.
Depois de vir definitivamente para o Porto não deixei de ir à minha terra, visitar os meus
pais, pelo menos no Natal, e escrevia, antes e depois de casado.
Casei aos 25 anos: a minha esposa é Maria de Lourdes Marques Fernandes Caseira.
Conheci-a quando fui mandar fazer um fato a um alfaiate, que era o pai dela.
Tenho dois filhos. Um nasceu em 1960 e o outro em 1964, nenhum passou da 4ª classe.
O mais velho trabalha a prazo numa fábrica de moagens e o outro é motorista na Câmara
de Matosinhos.
Actividade Profissional
Na freguesia do Rêgo, era normal as crianças aos 6/7 anos irem servir. No primeiro ano
trabalhava-se pela comida, não se ganhava mais nada. O patrão tinha uma série de
deveres para com o criado: uma bóina, que era uma espécie de gorra preta; uns socos
encobertados; uma camisa de tomentos. O linho dava três tipos de tecido: o bragal, feito
com as fibras mais compridas; a estopa, feita com as fibras mais curtas; e o linho de
tomentos, feito com a casca de linho ainda com alguns fios. Era essa a camisa que era
dada ao criado, de linho de tomento, que aquilo até fazia riscos nas costas... Ao 2º ano a
servir começava-se a ganhar 10 escudos ao ano, ou 20, e por aí fora...
Eu só fui servir aos 9 anos, depois de feita a 3ª classe. Andei em várias casas, em
Celorico, em Fafe... O meu serviço era de pastor, e também trabalhava no campo. O
rebanho era misto. Tinha agregado égua, ovelhas, cabras, tudo solto. Andei a servir um
que até tinha boi de cobertura. Aquela era uma zona de muitos lobos. Aos 11 anos vim para o Porto, servir na Rua da Vilarinha, no Beco das Carreiras, para um
tal Guito. Eu vim para o Porto porque no Verão o meu pai vinha para cá trabalhar de
jornaleiro para certos lavradores. As pessoas que vinham da aldeia juntavam-se na igreja
do Carvalhido e os patrões iam lá contratá-los ao dia, era como se fosse a vender
escravos. O meu pai é que me disse que aqui se pagava bem, e mandou-me vir. A minha
mãe levou-me a Fafe, ao combóio (eu nunca tinha visto nenhum) e saí na Senhora da
Hora.
No Porto tinha de trabalhar no campo, e, por vezes, ficava-se lá a dormir para tomar conta
das culturas, para que não fossem pilhadas durante a noite. Era o tempo da Guerra, não
havia azeite, cevadinha... quando vim para cá era por senhas que se comprava o pão e
tudo. Depois o patrão começou a escrever para a aldeia, a fazer queixa de mim. E
regressei à aldeia, a servir para outro, mas lá havia muita fome, não se ganhava nada.
Resolvi novamente voltar para o Porto e andei por vários lavradores.
Fui servir para a zona de Custóias e Guifões. Tínhamos, entre outras coisas, de ir buscar
a água choca das fossas e recolher o lixo na vila de Matosinhos às 3 horas da manhã. Era
tudo para adubar os campos. Trazíamos numas pipas próprias para o efeito. A nossa
comida era à parte da dos patrões: eram os restos da comida deles e broa que era cozida
para um mês ou mais. Trabalhava-se a semana toda, até ao meio-dia de domingo. Eu era
rapaz, nunca tinha descanso. Quando se passava a moço já era diferente. Nós
dormíamos todos juntos, numa caseta, e a nossa roupa era lavada de seis em seis
meses, ou quando já houvesse muitas pulgas.
O último patrão onde servi era terrível, era o Branquinho, negociante de gado. Batia nos
moços... até nos filhos batia... Eu tinha de ir, várias vezes, a pé de Matosinhos para os
Carvalhos, para Santo Tirso e para Vila do Conde levar ou trazer gado. Às vezes já
sangravam os pés, com aquelas areias e com os orvalhos da manhã, era terrível.
À terça-feira íamos à feira da Areosa, levar o gado para venda, onde se juntavam
negociantes de todo o lado. Quando chegava à hora do almoço, o patrão ia comer a um
bom restaurante, e nós não comíamos nada. Eu um dia reclamei e, logo que ele soube,
deu-me um soco e insultou-me. Isto custou-lhe mais 15 escudos por mês, porque ou ele
pagava ou eu ia embora. Ele não encontrava um moço como eu. Às vezes, eu sozinho
tinha que levar 4 ou mesmo 6 bois à Corujeira. Era muito difícil mas eu conseguia. A partir
daí ele nunca mais me bateu.
Era o Branquinho que fornecia a Empresa Fabril do Norte, que tinha creche e refeitório.
Eu queria ir para lá trabalhar, para a EFANOR, ou "fábrica dos carrinhos", mas era difícil.
Fornecíamos leite, para creche, tirávamos centenas de litros de leite, mas nunca
chegávamos a provar uma gota. De manhã bebia-se cachaça com um bocadinho de broa.
Então resolvemos fazer "greve", ainda nem conhecíamos essa palavra, mas decidimos
que nos tinham de dar leite ou não iríamos trabalhar. A patroa vinha-nos sempre levantar
entre as 4h30 e as 5h00 e nesse dia dissemos que só nos levantávamos se tivéssemos
leite. Ela ficou muito aflita e foi contar ao patrão. Ele veio com uma bengala de junco, que
os feirantes usavam, mas o Joaquim já estava munido com uma forquilha e eu com uma
foucinha, e ganhámos. O patrão deu ordem para começarmos a tomar leite.
Um dia pedi arranjei um cartão do Sr. Branquinho e pedi a um amigo para o escrever
dirigido ao Engenheiro Mendonça da EFANOR, pedindo para me empregar na fábrica. Pedi-
lhe para assinar com o nome do Sr. Branquinho. Como ele era o fornecedor da EFANOR,
eu, desta forma, consegui entrar a trabalhar na fábrica, para trabalhador têxtil, já tinha uns
22 anos. Depois até ofereci um cabrito a esse meu amigo.
Depois tive de dizer que me ia embora, mas disse-lhe que ia para a Câmara. Só passado
4 meses é que eles souberam que eu estava na EFANOR. Foi lá que fiz a minha 4ª classe,
no curso de adultos, eles pagavam a um professor para ir lá.
Entrei como ajudante de cardador e fiquei lá durante 11 anos. O algodão vinha em fardos
de Moçambique, Angola e Egipto. O melhor era o que vinha do Egipto que servia para
fazer as popelines. O algodão entrava primeiro numa máquina, o "abridor", que
esfarrapava os fardos, depois seguia para uma outra para fazer uma tela numa
determinada espessura, e por fim saía num rolo. Depois era embrulhado nuns papéis e ia
para a carda, onde havia vários tipos de tratamento. Na carda saía a fibra, saía o cotão e
saía os "flates", que eram aproveitados para fazer cobertores e eram vendidos para outras
fábricas. As condições de trabalho eram muito más. Era uma poeirada terrível e os
trabalhadores dali, além da tuberculose, sofriam muito de bronquite.
Como era ajudante, quando chegava à fábrica tinha que varrer e andar lá com um rolo
das cardas às costas, porque tinha de se limpar as cardas regularmente. Às vezes tinha
de ir ajudar a carregar o material.
Fui para lá ganhar 12$50 por dia, e depois passei para 17$50. Trabalhávamos 8 horas por
dia, feriados e tudo. Eu entrava às 22h00 e saía às 7h00 da manhã, era do turno da noite.
Ao Domingo saía de manhã e só voltava a trabalhar na 2ª feira à noite. Havia uma
semana de férias mas sem subsídio nenhum. No segundo turno as mulheres trabalhavam
à noite, até às 2h30 da manhã e não recebiam nenhum subsídio de trabalho nocturno.
Entretanto deu-se uma vaga e eu passei a cardador, ganhando 26$50 por dia.
Na Fábrica dos Carrinhos fizeram-se algumas greves, mas a mais falada é a de 1958,
após as eleições do Humberto Delgado. Havia folhetos espalhados a dizer que a malta
devia fazer greve, contra a burla eleitoral. A primeira fábrica a parar foi a EFANOR. Depois
fomos ajudar a parar a Lionesa, também uma fábrica grande. Dali fomos a várias. A
minha mulher trabalhava na Rivera mas essa não parou, ficaram lá todas a trabalhar.
Fomos à EFACEC e dissemos que a EFANOR estava parada, e essa parou também, e por
causa da greve esteve trinta dias encerrada. Foi um caso sério, o gerente teve de fugir
para o Brasil. Foi também por essa greve que o Dr. Ruela foi preso, no sábado.
Chegámos a fazer piquetes de greve. E houve despedimentos, como no caso da Fragata
e outros. Entretanto a PIDE e a polícia cercaram a EFANOR e, à horas do início dos turnos, a
menos de 300 metros só passava quem fosse mesmo trabalhar. Nós tínhamos de nos
manter afastados. Em 1960, quando nasceu o meu primeiro filho, eu mudei para a Fábrica dos Marinhos.
Era na Rua da Paz, perto da Praça da Galiza. Saí da EFANOR porque trabalhava à noite, e
nos Marinhos arranjei a trabalhar de dia, de cardador, na mesma. Tive de fazer primeiro
um exame em 14 máquinas. Nos Marinhos faziam cobertores, especialmente de flanela,
portanto, algodão do fraco. Tinham alguns artigos de tipo mais fino que faziam numas
máquinas suíças, e eu fui logo para essas. Lembro-me que havia lá um mestre espanhol
que gostava muito do meu trabalho. Eu fazia muito bem as emendas que, quando não
são bem feitas reflectem-se mais tarde. Porque o cardado vai para as caneleiras, passa
para uns estiradores e depois pode ir, conforme o artigo, para as penteadeiras. Lá não
tinha penteadeiras, mas ia para contínuos, uma máquina em que se começa a esticar
muito o fio. Há contínuos finos e grossos. Entretanto abriu a SITENOR, empresa associada à CUF e a capitais americanos, que dava
mais um bocadinho de dinheiro e eu fui para lá. Ficava junto à praia, nas instalações da
CUF. Era composta por fiação e tecelagem de fibras de juta.
A CUF tinha um sistema muito singular de trabalhar: o trabalhador recebia o salário ao fim
do mês, e o dinheiro ia dar uma volta pelo corredor e retornava ao ponto de partida. E
como? Dentro da própria fábrica havia farmácia, havia uma caixa médica, havia o seguro,
e mais tarde até uma cooperativa de consumo. Os trabalhadores faziam a sua despesa lá
dentro.
Fazíamos turnos de polícia: trabalhávamos 4 horas e descansávamos 8, para ganhar o
dia. Tínhamos de fazer 4 viagens. Isto levou-nos à 1ª greve, queríamos trabalhar as 8
horas seguidas. Vencemos, mas alguns companheiros foram despedidos.
Em 1964 nasceu o meu filho mais novo, que já teve direito a aleitação e a remédios. Na
CUF tínhamos mais direitos que nos outros sítios.
Nesta altura voltei a estudar, à noite, na Escola Comercial de Matosinhos. Foi por isso
que na fábrica passei para controlador de produção.
Há vários tipos de controle. Eu fazia o controle das produções comparadas. Achava o
rendimento todo da fiação, rendimento relativo e rendimento real. A fábrica trabalhava em
3 turnos, e eu fazia o controle, por turno, do que cada um produziu, e o controle também
do conjunto. Como havia um prémio de produção e assiduidade por trimestre, era preciso
saber o que cada um tinha produzido. No fim fazia um gráfico que ia para o meu chefe,
com o rendimento real, tempo de paragem, tempo de limpeza,... tudo.
Cada máquina tinha um valor de produção: sem parar para limpezas, sem avarias, em
trabalho contínuo, podia produzir X, que equivale aos 100%. Lá chegava-se a atingir
produções de 95 e 96%. Em média andava sempre à volta dos 90% mas, quando descia
daí já havia problemas. Na CUF era assim.
As máquinas de calcular não eram electrónicas, eu trabalhava com uma mecânica, que
dividia, somava... Havia umas que só somavam, mas aquela fazia tudo. Do trabalho, lembro-me de algumas coisas terríveis. Nas fábricas, dantes, trabalhava-se à
tarefa, e muitas trabalhadoras tinham um prémio se não faltassem. Eu sei pelo menos de
um caso, na EFANOR, que o filho morreu e a mulher não foi embora, só o fez ao fim do dia,
para não perder o prémio. E outras, por vezes, que não iam à casa de banho para a
máquina não parar. Era terrível trabalhar à tarefa.
Actividade Social e Política
Foi a partir das eleições de Humberto Delgado que eu comecei a ganhar maior
consciência polÃtica. Participei activamente na campanha, distribuição de propaganda,
postais, selos, emblemas, recolha de assinaturas e, a partir daÃ, participei em todas as
eleições até ao 25 de Abril. Embora já tivesse despertado nas
eleições de Norton de Matos e Quintão Meireles porque estas atingiram grande repercussão.
O Sindicato Têxtil funcionava assim: os menores de 18 anos não pagavam nada mas já
tinham cartão de menores; depois dos 18 anos tinham de começar a pagar, mas mesmo
assim, podiam não ter direito a voto. Para isso tinha de haver alguém que o propusesse a
sócio e tinha de reunir uma série de condições. Eu arranjei o cartão do sindicato em 1957
(quem assinou a proposta foi um cardador, o Delfim, que aos 70 anos ainda trabalhava na
EFANOR), e ia vendo como aquilo funcionava. O Sindicato estava nas mãos dos patrões, o
próprio presidente tinha uma fábrica e era mestre na EFANOR, o António Fernandes, mas
havia outros.
Eu comecei a fazer parte de um grupo de pessoas que estava contra esta situação. Em
determinada altura tinha-se dado um grande desfalque no Sindicato que passou a ser
mantido por uma Comissão Administrativa. Estas comissões deveriam ser provisórias,
mas esta já lá estava há vários anos. Então, criámos uma Comissão Promotora para fazer
eleições no sindicato e tentarmos ganhar a direcção. Conseguimos unir os trabalhadores
a nosso favor e, por isso, eles tentaram por todos os meios impedir que ganhássemos.
Primeiro mudaram as eleições de sábado para domingo, mas depois não tiveram outra
solução senão impugnar as eleições. Foram à PIDE, arranjaram um documento que
relacionava a nossa lista, a lista B, com o trabalho do Partido Comunista (por nos
tratarmos por camaradas), e impugnaram as eleições. A lista B foi a julgamento mas
saÃmos todos absolvidos e a poder ser eleitos. Os tipos levaram o processo para o
Tribunal da Relação e, daÃ, mandaram repetir o julgamento. O processo, em vez de ser
julgado pelo mesmo juiz, voltou para a outra vara, na qual o juiz pertencia à Legião Portuguesa.
Aquilo esteve lá anos, não chegámos a ser julgados porque o processo foi
arquivado quando veio o 25 de Abril.
Entretanto conquistámos o sindicato, reunÃamos à 5ª feira, mas a PIDE estava sempre a
controlar tudo.
Por isso mesmo, quando se começou a discutir a criação da Intersindical, os Têxteis
apenas tiveram assento nas reuniões como observadores, por não serem direcção. Não
tÃnhamos direito a voto, nem a nada, eu e o Valdemar fomos a Lisboa à primeira reunião.
Dali ficou outra reunião marcada para o Sindicato dos Seguros, mas essa já não se deu
porque a PIDE e a PolÃcia cercaram o espaço e proibiram-a. Também havia uma outra comissão, a Comissão dos Trabalhadores Democráticos do
Porto, que reunia com um ou dois representantes de cada sindicato: os Seguros, os
Ourives, os Bancários, os Têxteis, os Metalúrgicos e a Construção Civil. Dos Ourives era
o Adelino, dos Bancários era o Fonseca, dos Gráficos, o Armando Teixeira, que foi o
primeiro secretário geral da CGTP, dos Barbeiros era o camarada Salvador (com este
camarada realizei várias tarefas a nÃvel do norte do paÃs para contactos de eleições para
deputados) dos Metalúrgicos era o Ângelo e o António Mota.... ReunÃamos em casa uns
dos outros, Ãamos rodando. Nunca fui dirigente do sindicato. Fiz parte da lista que foi impugnada e após do 25 de Abril,
da Comissão Promotora que existiu até se fazer eleições. Depois entenderam que
eu devia ficar como funcionário.
Depois do 25 de Abril a primeira coisa que fizemos foi eleger Comissões Sindicais e
Delegados Sindicais em todas as empresas. Em algumas zonas foi muito difÃcil. Numa
empresa em Espinho elegeram uma delegada, que eles trataram de despedir e puseram
as trabalhadoras a cortar mato numa bouça ao lado. O Sindicato interveio e ganhámos a
luta, mas ainda demorou uns quinze dias. Ainda fomos ajudados por militares e fizemos lá
uns plenários ao ar livre.
TÃnhamos um jornal, "A Voz dos Têxteis", que eu, todos os meses, ia levar à s fábricas.
Todos os comunicados referentes às lutas que se desenvolveram foram minutados por
mim e pela Berta Monteiro, até 1986.
Fizemos coisas muito boas mas também se cometeram erros. Entretanto a situação
começou a virar, o patronato cresceu, vieram os contratos a prazo... houve muita
patifaria... Costumo dizer que os patrões são todos ruins. Mas dentro dos ruins há uns
mais e outros menos. Lembro-me que quando foi do 11 de Março de 1975, eu, o Manuel Lopes e o Ramos
fomos para o Sindicato. Fomos para a varanda, mesmo em frente ao Hospital Militar, e
começámos a avisar "Está-se a desenvolver um golpe reaccionário..." e outras coisas do
género, e ficámos em contacto permanente com trabalhadores. Às 18h00 já tinha falado o
Presidente da República e a coisa estava controlada.
Em 1985, o sindicato ia festejar os 50 anos, mas eu meti mãos à obra, pesquisei, e
descobri que, afinal, já ia fazer 100 anos, era o centenário. Entrei no Partido Comunista em 1969. Recordo-me que certo dia fiz a minha primeira
intervenção dos têxteis, na INATEL, falei sem papeis, mas muito à vontade. A partir daí
alguémm me começou a dar o "Avante" e falaram-me. Quem me trouxe ao Partido foi o
Jorge Pisco. Fui apresentado ao José Carlos de Almeida e depois dele passei por muitos
controleiros. Quando mudava de controleiro era sempre com uma segurança medonha,
ele conhecia-nos bem, e não sabíamos nada sobre ele, nem nomes, era tudo por
pseudónimos. Eu era o "André".
Tivemos de trabalhar muito para a manifestação de 15 de Abril de 1972, contra o custo de
vida. As distribuições de papéis eram feitas por bombas. Eu fui pôr uma no terreno anexo
à Fábrica do Cobre, na Circunvalação: pousava-se a caixa e deixava-se um cordão de
algodão amarrado a servir de pavio. Quando estourava, os papéis voavam. Outras vezes
punha-se nas árvores com um fio para baixo. Havia sempre alguém que passava, via o fio
e o puxava.
A manifestação foi uma grande jornada de luta que reuniu muitos milhares de pessoas. A
polícia agrediu selvaticamente muitos manifestantes e fez várias prisões.
Quando o Partido fez 50 anos foram distribuídos emblemas para venda, e eu também
mandei colocar o símbolo em moedas de 1971, de um escudo e de dez escudos (sem
autorização do partido), pedi a uns serralheiros que lhes pusessem a foice e o martelo.
Cheguei a presidir sessões de esclarecimento para várias eleições. Todos tinham medo.
Aquilo era terrível, tudo cercado, polícia de capacete, não se podia distribuir documentos,
não se podia falar disto e daquilo... Durante a sessão havia uma cadeira no palco, para o
comissário, que ia cortando a palavra aos oradores, quando eles tocavam certos
assuntos. Lembro-me do Horácio Guimarães e do Pina Moura, que foram denunciar a
guerra do Ultramar e a PIDE, e tudo..., e claro, o tipo vinha ter comigo "Tire-lhe a Palavra!".
Eu dizia "Eu Não. Tire o senhor!". Mas não fazíamos aquilo bem feito: como ele tirava a
palavra ao primeiro, vinha o segundo e continuava a ler o mesmo discurso dali para a
frente, atão ser também interrompido.
Antes de começarem as sessões, de ser autorizada a entrada ao público, o comissário
fiscalizava todos os cartazes e mandava retirar os que considerava subversivos, como por
exemplo "Eleições Burla". Não depois de começar a sessão, já com a sala cheia de
píblico, voltávamos a colocá-los no sítio.
Fui, como delegado, ao Congresso da Oposição Democrática em Aveiro, em 1973. Eu e
outro camarada da Comissão Democrática do Porto, elaborámos uma tese sobre a
Previdência que foi discutida e votada. Entretanto, aquilo deu pancadaria quando a gente
ia para campa do Mário Sacramento. Nessa ocasião a PIDE prendeu-me, por estar a
passar uns folhetos. Ainda estive lá umas horas mas vim embora porque só me
apanharam a passar documentos legais. Também cheguei a ser sócio da UNICEPE, onde comprava os meus livros, e de outras
colectividades, como a Associação de Pais da Sra. da Hora, Associação Recreativa de
Custóias. Fui também assinante dos jornais "Ecos da Montanha", "Gazeta do Sul",
"Opinião" e da revista "Cultura".
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