Joaquim Freitas Baptista
Dados pessoais, infância, escolaridade
Chamo-me Joaquim Freitas Baptista e sou reformado da Função Pública, como
Chefe do Pessoal de Acção Educativa. Nasci em 5 de Dezembro de 1936 em
Aldoar, Porto, onde sempre morei. O meus pais também eram de Aldoar.
O meu pai era estucador, trabalhava num empreiteiro, e a minha mãe era
tecedeira na antiga Fábrica dos Ingleses, onde é o Foco. Os meus pais só
tinham a 4ª classe. Nós, os três filhos, também só fizemos o 2º grau. Andámos
na escola da Rua da Vilarinha. Penso que na fábrica da minha mãe não havia infantário, porque fui criado
numa ama, assim como filhos de colegas da minha mãe.
Na ama, que tomava conta de sete ou oito crianças, brincávamos com o que
levávamos de casa, com os brinquedos de antigamente, como carrinhos de
madeira, carrinhos de bois, assobios de caco. Eram do mais baratinho que
havia.
Naquele tempo também eram chancas de madeira que nós usávamos para ir
para a escola. Jogávamos à bola com essas chancas.
Quando vinha a professora, fazíamos continência e entrávamos na sala de aula
atrás dela. Ficávamos todos ali em fila a fazer continência: "Bom dia, sra.
professora".
Antes de sairmos da aula, a professora rezava um bocadinho e nós
acompanhávamos. E também tínhamos um pouco de doutrina por dia, quase à
saída. O hino nacional só cantávamos quando lá ia a Mocidade Portuguesa, ao
Sábado.
Aos Sábados não havia aulas e aqueles miúdos da Mocidade Portuguesa,
graduados, iam cantar e tocar bombo, no recreio.
Nesse tempo, na escola, não davam leite, davam uma malguita de sopa, ao
meio-dia, e uma fatiazinha de broa. Como ficávamos o dia inteiro na escola,
levávamos uma ou duas sandezitas e uma peça de fruta.
Quando fiz 60 anos, como tinha 36 anos de serviço, reformei-me. Se andasse
lá 50 ou 100 anos, trazia o mesmo que trouxe com 36. Mas depois de me
reformar comecei a cegar. Comecei a andar pelos médicos: diabético, sem
saber. Andei sempre bem, comia, bebia, corria, subia dois e três degraus lá na
escola, nunca dei fé de nada. Vim para casa, matei-me. Já ando assim vai para
quatro anos.
Vivo com dois filhos solteiros, um rapaz e uma rapariga. Mas ambos trabalham,
por isso venho para o Centro de Dia de Lordelo todos os dias. Nem pensar em
ficar em casa sozinho.
No Centro fazem-se muitas festas e passeios. E tem-se a companhia dos
outros, joga-se às cartas, uma empregada conta-nos histórias. A carrinha vai
buscar-me de manhã e um filho vem buscar-me à tarde. O que me vale são os
filhos.
Das minhas filhas, uma tirou o 12º no Carolina Michaelis e agora dá aulas em
casa, em Ermesinde - tem alunos das 9 às 7 da tarde, é uns a entrar e outros a
sair, uns de manhã, outros de tarde. Outra filha vive em Braga, é sócia de uma
florista. A que vive comigo, solteira, é mestra numa casa de confecções para
exportação.
Dos rapazes, um é segurança, outro tem o curso de electricista e o outro de
serralheiro mecânico. Estão todos bem, todos têm carro, só o pai é que não.
Actividade Profissional
Mal fiz a escola primária fui trabalhar meia dúzia de dias com o meu pai, mas
depois empreguei-me, como aprendiz de fundidor, na Fundição Oliveira e Ferreirinha, na
estrada exterior da Circunvalação. Fechou há coisa de uns três
ou quatro anos. Ainda lá está o edifício, todo destruído, tudo partido.
Na Ferreirinha havia dois fornos e nós, os fundidores, tínhamos de fundir ferro
para as encomendas dos clientes, desde campânulas para postes de
iluminação a hélices para barcos, chaves, acessórios para canalizações. Os
clientes que faziam a encomenda traziam os moldes em madeira e nós, com
esses moldes, fazíamos a peça em ferro ou em bronze, conforme a
encomenda. Era quase sempre em ferro.
Começávamos a trabalhar às 8,30 horas, almoçávamos da 12,30 às 13,30,
saímos às 17,30. Éramos todos rapazes novos.
Aldoar antigamente era uma freguesia pequenina, era quase só campos e
bouças. Quando era novo ia a todas as festas populares, ao Senhor de Matosinhos,
à Senhora da Hora, corria tudo. E, aos domingos, juntávamo-nos quatro vizinhos e
fazíamos um piquenique na Vilarinha, na Circunvalação. Alugávamos uma
aparelhagem na Rádio Leixões, montava-se um barzito a vender cervejas e
sandes, não faltava lá gente a dançar.
Estive na Ferreirinha até 1957, até ir para a tropa, aos 20 anos. Durante o
serviço militar estive sempre em Infantaria 6, no Viso, Senhora da Hora. O
quartel dava ano sim, ano não, gente para fora, para o Ultramar. O meu ano foi
ano de não dar. Tivemos sorte.
Na tropa não tive problemas, tínhamos um aspirante que era uma jóia de
instrutor, com uns 35 anos. Mais tarde, quando eu já trabalhava na
Escola Preparatória Gomes Teixeira, ele apareceu lá para dar aulas de português e
disse-me: "Ó pá, conheço-te perfeitamente do ano em que andámos na tropa". Quando regressei da tropa ingressei na Função Pública, em Abril de 1960.
Abriu um concurso, tive de fazer um requerimento e mandá-lo para Lisboa,
para o Ministério da Educação Nacional. O requerimento veio deferido.
Comecei como servente, depois concorri à Escola Fontes Pereira de Melo
como contínuo de 2ª. Mais tarde concorri para contínuo de 1ª na Escola Gomes
Teixeira, onde depois passei a Chefe do Pessoal da Acção Educativa e de onde
vim reformado.
Na Gomes Teixeira tinha de olhar pelos 43 empregados, marcar as faltas do
professores e dos empregados, olhar pelos alunos. Quando um aluno se
aleijava, chamava o 115, mandava-o para o hospital, avisava o encarregado de
educação ou uma pessoa de família e mandava sempre uma empregada a
acompanhá-lo. Só quando aparecesse o encarregado de educação no hospital
é que ela vinha embora. Quando comecei a trabalhar na Função Pública fui ganhar 1.150$00. Como
descontava 80$00 por mês, trazia 1.070$00, o que já era algum dinheiro,
naquele tempo. Casei logo a seguir. A minha mulher trabalhava na cantina da
escola, ganhava 700$00. Tivemos seis herdeiros, três casais, todos "latagões".
Ela é que, infelizment,e já não existe, já há 13 anos.
Dois dos nossos filhos foram criados na escola. Foi lá que eles aprenderam a
andar. Os empregados podiam levar os filhos para a escola. A minha mulher
era despenseira, estava na copa, podia olhar por eles todos.
Antes do 25 de Abril nunca dei fé da PIDE andar pela escola. Lá não
conversávamos nada a esse respeito. Uma vez só me apareceu na escola um
senhor que eu não conhecia. Disse-me que queria falar com o cunhado e que
lhe dissesse que era o Inspector Paulo (...) "Por muitos anos, senhor Inspector". O
cunhado lá o mandou entrar na sala. De resto, não tive problemas, dei-me
sempre bem com os colegas. No dia 25 de Abril de 1974 não se deu alteração nenhuma na escola.
Recebíamos sempre a 25 e dois colegas meus foram ao Banco de Portugal às
8 horas. A nossa escola recebeu, mas outras não, porque o Banco fechou logo
a seguir, durante oito dias.
O director da escola continuou a ser o mesmo, ninguém tinha nada que dizer
dele. A gente pedia-lhe qualquer coisa e ele estava sempre disposto. Também
nunca tive problemas com os alunos.
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